sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Dias de Chumbo

Chuva rolando nos campos desde três dias. Pranto de nuvens pesadas que descarregam o ocaso das velas, sombra sobre o mundo, no submundo do frio e da tristeza. Aspereza em tons de vinho e cor de chumbo, submundo do mundo. Estou assim, feito as águas de um poço fundo e misterioso.

Meus olhos de moço vazam a saudade e o que me invade é a sombra de uma imensa solidão. Enquanto a chuva cai dimensiono o meu destino, o sono, o sonho, o coração. A sofreguidão da tarde é um cenário de imperfeitas ilusões onde se acende uma fogueira de vaidades.

Estou cercado, ratos por todos os lados. Meu grito ninguém ouviu ou se importou. Afundo num poço de areia movediça a cada dia, e já não resisto aos meus impulsos. Estou arredio. Tardio é o meu pranto, acalanto de quem tem a alma atormentada pelo amor. A chuva cai por toda a tarde. A saudade é só mais um barco que se foi.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Recomeço

Eu procuro a luz, cristal da natureza. Eu persigo a paz, espírito alquebrado. Eu refaço um sonho, horizonte de espinhos. Meus caminhos que são viageiros diminuem a distância entre a poeira e a inquietude, e os grandes desafios se estendem por minha mão.

A razão comanda o meu sonho e a emoção será o fiel da minha balança, esperança grande que se renova em primavera. Na aquarela que o arco íris ensina tu és agora a minha vida. Tu és uma estrada repartida. Fostes de muitos, bem mais que deveria. Mas o destino só conduz para o futuro.

Eu suplanto tudo, até mesmo o pranto pelo o que você não me falou. Eu vou adiante, e te peço o mesmo. E te acredito, apesar disso. Que eu sou um rio esvaziado em seus remansos, mananciais de versos de alfazema e de fumaça que se repartem como um pão. Eu estou em comunhão.

Eu persigo o sol, raio amarelo entre os meus pés e o chão.

     

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Natal

Espero o natal que chega com o teu cheiro. Espero ensimesmado o teu olhar chegar ao meu e estou completo, realizado, badalado como os sinos de Belém. Nada além disso eu quero para mim neste natal: apenas o teu cheiro, o teu sexo, a tua alucinada forma de amar. Estou como o mar batendo nos rochedos, enredado em meio a pinheirais enfeitados de azul e de vermelho, absorvido pelo mais nobre sentimento do amor.

Eu quero de presente apenas o teu calor, nada mais de dor ou sofrimento, nada mais de pequenos desentendimentos. Eu quero o renascimento. Quero renascer em ti em cada novo amanhecer, amar o teu corpo e ser por ele amado, transportado num trenó ao paraíso. Eu escrevo de improviso com toda a força do meu coração neste natal, o primeiro, no tempo eterno de nossos sonhos viageiros. Eu não quero de presentes chocolates ou brinquedos, eu quero apenas o teu cheiro.



Teus olhos cintilantes enfeitam a minha árvore de natal e nele todo o mal torna-se bem, todo o céu torna-se um sol, toda a luz um farol. A minha confiança aumenta a cada dia e em ti eu deposito a minha esperança, a minha alma, o meu sincero coração. Eu quero apenas o teu calor neste natal, enrolado num vestido verde, enredado de fitas e com bordas de cetim. Tu és e serás sempre o meu maior presente.

Eu escrevo uma carta ao papai noel pois que ele existe. Eu tenho andado triste, mas quando tu chegas meu espírito se enche de alegria. Eu quero a alforria para a minha liberdade e para sempre em mim a tua mocidade e o teu desejo. Meu orgulho impede de dizer-te tudo o que vejo, mas mesmo ele não esconde mais o meu segredo, aquilo o que eu guardo comigo e que deixo para ti como um presente, o que deveria ser dito com uma voz de anjo: que eu te amo.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Inferno

Arremessado eu fui ao precipício. Lama negra e cheiro forte de enxofre. Mas estou vivo e, rastejante, eu sobrevivo dentro de minha alma. Me recupero, reestruturando a minha visão e o meu encanto, manto de veludo azul que não se gasta. Abandono a casta em que eu pensei ser rei, pois lá não estão mais meus amigos, nem nunca estiveram. E os que eu pensei que o fossem, nunca foram. Amarguro a mágoa de saber que eu estou só, e não por acaso que eu me sinto libertado. Meu fardo é pesado, mas eu posso carregá-lo. Amasso um grão de areia em minha boca e sobrevivo assim, entre a poeira e o deserto.
É certo que eu vou sobreviver. O inferno é o paraíso dos impuros, mas eu sou mais puro do que impuro, mundano mas com muito de humano, verdadeiro, embora eu já tenha me perdido. Arremessado eu fui ao precipício, no imprevisível destino do viver. Mas estou renascendo, renascido em tudo aquilo que perdi e que já não me faz falta. Eu não olho para trás. Eu não quero mais voltar. Eu quero agora me jogar na vida que amanhece, no arrebol de um sonho que se forma e não padece, que gira e se agiganta em mim. Eu parto do fim, e recomeço.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Quando um espelho se quebra

Quando um espelho se quebra são sete anos de azar. Um gato tem sete vidas, mas o amor, quantas terá? Caminho sobre o fio de uma navalha, equilibrado entre o mar e o abismo. Minha alma já se jogou nele, mas o meu corpo sobrevive. Até onde resistir? Qual é o ponto de equilíbrio? Eu busco na miragem dos teus olhos um oásis de verdade em meio a imensidão de areia que o vento agora me traz. Meus pés não estão firmes, mas eu ainda quero caminhar.

Quando um espelho se quebra é difícil concertar. A imagem refletida traz o ar da insegurança, e as lembranças se reproduzem em cores translúcidas e em fragmentos. Meu canto é um lamento triste, embalado pela dor que em mim resiste e não se abranda. Por onde anda este amor que me maltrata? Que me afasta dele a cada dia em repetidas circunstâncias inexatas? Eu reconsidero tudo e no seu tempo, mas as feridas vão se tornando mais fundas e compactas.

Eu olho no vidro do espelho e vejo a minha face mutilada. Procuro em meio aos estilhaços o que sobrou de mim, mas tudo o que encontro são os fragmentos de um poema. Um poema triste, arredio, iluminado. Com ele eu junto os cacos do espelho e tento me alegrar, mas eu não sou capaz de o concluir. Eu preciso de ajuda, da tua ajuda, pois que sozinho eu não vou superar mais esta dor. O amor é uma faca que atravessa o peito e nos conclama. O amor é uma espada que nos mata.

Quando um espelho se quebra a fé é a única imagem que nos resta.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Incêndio

Eu te quero. Espero a tarde mormacenta ensopado de suor com o meu desejo. Ensejo em ver-te em meu portão em tons de verde, vestida de rendas e cetim, por baixo apenas um meio fio de linho. O teu corpo esguio desliza em meio à curva de onde desces para chegar ao meu campo de visão. Eu te espero na janela, com o meu sexo entumescido de tesão, com a minha boca seca de emoção, pressão e temperatura alterados. Um ser completamente alucinado e atordoado. Tu chegas e o teu sorriso me comove. Beijo a tua boca e te carrego para o quarto. Tu me rejeitas, diz-me que eu sou um bruto, impuro, descelestial. Bestial seria o termo, mas tu não o conheces, apenas cede aos meus apelos. Eu te seguro pelas coxas, te devoro com o meu lábio enfurecido, mordo a tua língua e agarro as tuas ancas. Esmago os teus ossos e os meus dedos penetram nas tuas brechas conhecidas. Jogo-te na cama. Avessa a uma dama tu me abre as pernas, despudorada. Eu arranco a tua saia. A tua calcinha exala um cheiro que preenche as minhas narinas. Eu sou um animal enfurecido, olhos de vidro, desprovido de carinho e de quaisquer outros sentimentos. Procuro apenas o teu sexo, desprovido de qualquer razão ou romantismo. Tu me sugas enquanto eu engulo os teus mamilos, veludo com o gosto de mirtilos. Eu te fodo feito um louco, de maneira colossal e triunfal. Tu és a minha princesa, a musa de todos os sexos: oral, anal e vaginal. O teu corpo jovem gosta da dor e eu te proporciono o meu sal. Desejo é o que verte dos teus poros. Eu incendeio uma fogueira que se alastra sem fronteira, fogo de flor, lenha de amor que queima ainda que verde. Tu és assim: tens do amor a mais intensa sede, o mais intenso desejo em floração. Eu nunca te imaginei dessa maneira.

Não há fogo maior que o do inferno. Não há incêndio maior que o do teu corpo. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Rio Santa Maria

Sinto o sol ao queimar meus pés em tua areia quente. Caminho em frente, na busca das tuas águas corredeiras e turvas, escuras nos remansos mais profundos. Sou parte do teu leito, embora judiado, cansado como tu de peregrinar, mas sem nunca desistir. No ir e vir dos teus caminhos eu sou moço, viço de trevos. No espelho das tuas águas eu reencontro a minha alma. Mergulho e nos amamos outra vez.

Bebo a foz dos teus carinhos e tu me dás o peixe para o meu alimento. O vinho eu bebo da paisagem que te adorna, o cheiro do vento em maresia, o cantar das cotovias e de tantos outros pássaros. Eu jogo em ti o meu corpo cansado e deixo-me levar em alegria. Tu és o rio da minha vida, o que adotei, àquele em que eu amarrei o meu destino, um rio de águas santas, cristalinas.


Minha alma é de rio, e tu és a alma das águas. Somos dois caminheiros na busca dos seus destinos, assolhados pelo tempo. Nada de lamentos, mas muito de ensinamentos. Lendas e histórias nos cercam, e quando a noite estende a sua esteira prateada, por sobre o teu leito eu bebo a lua em tuas margens, na concha das mãos, no universo perdido de alguma constelação que se afundou em ti.

Estou em pedaços, repartido, livre e solto para em tuas águas flutuar. Tranquilamente tu caminhas para o mar, deslizando no silêncio das horas que são, agora, um escaler. Eu me deixo levar. Renascido estarei ao levantar de ti, rebatizado numa oração de natureza. Eu sou um barco a deslizar por tuas águas, o oco do mundo é o teu chão. Nós somos dois peregrinos em comunhão.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O Desalento e as Suas Consternações

Te compreendo. Tudo é desalento ao pé do tempo. Perdida estás de mim que não te encontras. Por onde andas? Eu sou um panda gigante à tua frente, que seria impossível me disfarçar. E os meus olhos de mar seriam algo de navios além do oceano. Engano meu seria não te notar. Onde estavas? Aqui é o teu lugar, junto de mim e do meu coração.

Estás perdida? A vida é um leva e traz de cochichos e arreios que vez por outra nos enredamos. Estamos ao pé do estribo, caminhos ajustados para o esquecimento. Mas que és tu? O que te fere? Qual a causa que te traz intimidade?

Eu sou o mesmo desde sempre. Não mudei nem um centímetro, e então, porque tu não me reconheces mais? Será tão difícil assim de me notar? Existem perguntas que não tem respostas, e tu sabes bem que é assim . Arredio tem sido o teu sorriso para mim, largo e impreciso como as folhas pelo chão. Já é outono?  Vejas que também estou perdido, enredado nas palavras de um verso sem refrão, arrancado do inverno da alma pelo teu bordão. Mas porque estás perdida, menina?

Eu te contemplo. Tudo é desalento ao pé do tempo.

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

O Caçador de Tsunamis

Uma tsunami. A vida é uma onda que nos levanta, uma massa de água gigante que atinge o céu de cada um, levando a tudo e a todos adelante. Depois que ela passa, que se arranje a humanidade. A insanidade da sua força é a sua beleza, mesmo que trágica, mesmo que avassaladora. A vida é uma onda que arrebenta na praia da alma, que trucida e esmaga sonhos de roldão como um moedor de carne americano.

Eu vivo em meio a uma ilha assolada de tsunamis. Sei a hora e o dia em que elas chegam, mas nunca consigo me prevenir de sua força. Me perco e sempre bebo do sal das águas de um mar carregado e agitado, e assim incorporo a sua áurea. Navego em águas agitadas desde o dia em que me desvincilhei do meu velho corpo, e agora, como um louco eu me vejo, contemplando o precipício verdazul com os meus olhos de demência e insanidade.

Eu já não tenho a mocidade do meu lado. Minha cidade não me reconhece mais, e eu sou um barco sem timão a navegar por mares nunca dantes navegados. Eu sou um colecionador de tsunamis, um cruzador de alto bordo em solo imprevisível e abarbarado, perdido em meio a um mar aberto de tormentas e furacões. Eu quero surfar na crista da onda mais alta e arrebentar na praia paradisíaca do meu sonho, pois só assim eu poderei render-me a ti. Eu sou um caçador de tsunamis.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Noite de Vertigem

Vertiginosa é a noite em que estou sem o teu olhar. Teu sexo é seco como o ar e eu mergulho nele em busca dos meus prazeres. Se tu me queres, dizes para mim o que tu busca. Escuta da minha boca o que te dizem, não se deixe levar por zumbidos e gemidos que são, na verdade, um falso amor. Amor barato. Sexo pago em carrossel de ilusões. Eu te digo o que quiseres. Eu não escondo de ti os meus segredos, nem mesmo os piores. Deles tu conheces o seu âmago.

Amargor é o sabor da tua boca em noites como essa. Eu te possuo e tu és uma peça de artilharia francesa, uma metralhadora giratória que verte palavras pela boca. A lua nova saboreia teus sibilos, e o vento morno leva para longe os teus gemidos. Improviso movimentos circulares em busca do meu único prazer. Tu és nele o meu bem querer, mas em noites como essa eu te odeio. Não ponhas fora os meus sorrisos.

Que eu sou um homem triste em noites de intensa sedução e desafeita do teu toque e teu desejo. Eu me vejo em ti, espelhado, e te descarto. Eu estou casto, minha perna é curta para correr atrás da poeira louca dos sonhos infinitos, e foi por lá que eu te encontrei. Nada serei nesta noite em que estou em ti, triste, desiludido, controlado pelo impreciso verbo que me faz te naufragar. Eu quase não consigo me conter.

Vertiginosa é a noite em que estou sem teu olhar. Vertiginosa noite. Vertiginoso verbo. Vertigem louca de anseios. Eu sou um céu de estrelas madrugueiras nestas colinas que imitam os teus seios, pequenos cômoros de areia que cabem em meu maxilar. Eu mastigo os teus mamilos e penetro o teu sexo seco e quente que não demonstra me querer. Mesmo assim eu gozo em ti, dentro de ti. Só assim esta noite poderá terminar.

Eu vivo uma noite de vertigem. 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Quando a alma se transforma

O que vejo? Diante dos meus olhos um rosto que esconde a mulher que eu desejo, mas que já não é mais o mesmo. Mais fino, contornado, traços alterados de forma quase imperceptível, mas ainda assim de uma beleza singular. A Inocência que se escondia nele se perdeu n´alguma linha invisível, contorcida  por entre os cílios e o maxilar. Eu busco te encontrar na nova face que se reconstrói num molde de arame e de alumínio.

Dos lábios grandes ecoa agora uma voz de portuguesa. De onde viestes esta faceta lusitana? Onde foi parar o teu ar brejeiro e tão comum, a forma doce de tu dizer que me amava? Tu estavas tão feliz que não pode haver tristeza agora. Não deveria. A luz que irradia dos teus olhos está difusa, confusa está a tua alma, emaranhada por conflitos e infinitos, rodeada de sombras e singelezas, de dúvidas e incertezas. Eu não te quero assim.

Olhe agora para mim: tu tens escolha. Escolta o teu desejo apoiada em meu sorriso, que assim será mais fácil prosseguir. Pois eu te quero como sempre quis, e não deixarei de lado o teu olhar. Mesmo que diante dos meus olhos esteja o mar, ou mesmo o ar de uma mulher que eu não conheço, alguém que numa nau de alumbramentos mergulhou e que agora acordou diferente, de um sonho grande, diante do espelho e perdida em uma nova e cotidiana vida.

A natureza é sábia em sua guarida, dá formas diferentes a todas as coisas e a todos os seres que lhe habitam, e a cada um deles atribui a sua única beleza. Cada ser é único em sua construção e belo pelas diferenças que impostas lhe são, agreste e selvagem em traços imperfeitos e incomuns. O homem é único por sua imperfeição, belo em seus erros e acertos, por seus defeitos e por sua formatação. Este talvez seja o grande segredo da existência.

Tu és agora um universo em mutação.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Os Amantes da Noite

Nada é mais revelador neste mundo do que a razão do teu olhar. Nada se esconde nele, por trás dos teus olhos sedutores, nada. Nem mesmo a fada dos silêncios que te habita, nem mesmo a misteriosa energia que te conduz para a arrebentação do teu corpo, muito menos a falta mansa do teu estado nebuloso, a flauta doce em que tu esconde os teus segredos, ou mesmo o beijo que reservas para mim.

Ontem eu te amei assim, à beira de uma lagoa em movimento. Tu eras uma jovem moça em desatentos dessossegos, e o vento da noite morna esvoaçava os teus cabelos. A noite era de um cheiro de desejo, enluarada pela presença da lua e o seu exército de estrelas, entabulada pela silhueta das árvores e da paisagem escura do local em que estávamos. E tu mirava as estrelas.



Foi real o que fizemos. Dias e noites nós nos amamos em contante descoberta, tu sendo uma estrela, eu a noite que te guarda. Noites e dias assim nós dois vivemos, e viveremos para sempre. Hoje eu te venero, não mais como a uma deusa em sua beleza, nem como a uma rêmora selvagem, mas sim como a uma bela e real situação. Hoje eu te venero apenas pelo coração.

A fogueira que encantou a madrugada se desfez, mas as suas brasas ainda queimam no arrebol. Nada é mais revelador que o teu olhar quando me queima como um sol, que me busca e te sustenta, que desafia o meu olhar inquisidor. Nele eu vejo tudo o que procuras. Ontem eu te amei à beira de uma lagoa em movimento, e foi real o que fizemos. Tu estás viva. Eu estou vivo. O universo é um rio que corre em curso incerto.

Nós somos os amantes da noite, um do outro.

 

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Aniversário

Alguém me disse que a cada aniversário recomeçamos a vida. Engraçado. Esta frase me acompanha a madrugada deste dia que é, para mim, apenas mais um dia. Um dia como outro, como tantos, igual a muitos que se foram. Eu tento adivinhar o que vem pela frente, mas o destino é sorrateiro e sábio. Ele não me mostra os dentes. Então eu me conformo.

Eu mostro o que tenho. Não escondo os meus segredos e nem mesmo as minhas alucinações. Escrevo tudo o que penso, o que desejo, e não tenho medo de buscar o que eu quero. Eu não dou bola ao preconceito, pois este eu sei que existe. Eu apenas resisto ao alpiste que é dos pássaros para, assim, ganhar um pouco mais da minha liberdade. Eu me reconforto.

Hoje eu não estou propenso à poesia. Eu apenas penso na frase que há pouco me foi dita: a cada aniversário uma nova vida. Eu me agarro nela e vou adiante, poucas vezes tão seguro em mim. Eu estou reaprendendo a conduzir o meu destino, e vejo coisas que só agora me dão sentido. Eu estou feliz. Muito feliz. E os meus dias ainda nem sequer se equacionaram. Se você me ler, muito obrigado. Eu fico muito feliz de que você esteja aqui, comigo, pois hoje é o primeiro dos dias da minha nova e surpreendente vida. Muito obrigado.
  

sábado, 27 de outubro de 2012

A viagem

Verso e reverso no espelho. Me vejo em meio ao som de um encantamento, daqueles oriundos do Jarau, de onde nem mesmo Blau pôde escapar. Tenho em mãos o mar e uma carta de navegação. Aprovação para zarpar, barco de velas, tripulação de um homem só. Timão. Espero apenas pelo ar da tua mão.  Vem comigo, e zarparemos na viagem da imaginação. Mares nunca dantes navegados nos esperam, aventuras de piratas e corais de caramelos. Caramelos? Sim, de caramelos e cogumelos, sonhos libertos e ligeiros. O horizonte azul será o nosso timoneiro e vamos juntos perseguir o arco-íris, encontrar o baú que lá se esconde. Será ele do amor a eterna fonte? Estaremos juntos entre o mar e a imensidão. Não tenhas medo. A vida nunca é um conto de fadas de algodão, e nela não devemos fazer planos. Altiplanos de emoções se desmoronam, mas se tu vens comigo a caminhada é mais segura e altaneira. Eu te proponho a esteira do destino, onde tudo ainda está por ser escrito. Vem comigo, deixa pra trás tudo o que te prende neste chão.

A viagem está apenas começando.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Eu e a noite

É madrugada. Na calada da noite eu sorrateiramente escrevo, escondido das sombras e dos silêncios. Não quero acordar os grilos, os vaga-lumes, os besouros noturnos ou outros bichos de macega. Não, eu quero a noite inteira assim, somente para mim. Inquieta, misteriosa, profanamente misteriosa e sedutora. Eu quero a noite vestida de prenda, remendada pelo manto luminoso da lua, com os cabelos mergulhados no espelho prateado da lagoa.

Eu observo o ar noturno. Um vulto de cerração e a silhueta dos objetos taciturnos, fantasmas de uma noite grande em movimento. Ao relento eu tomo em mãos a minha caneta, o tinteiro, papel e peso morto e passo a descrever as formas da paisagem enluarada. É madrugada. Alta. Os galos ensaiam os primeiros cantos da manhã e eu os escuto em seus duetos. Ao relento. Em meio aos meus desassossegos.


Nada procuro. Eu apenas sinto o aroma intenso desta noite de minha vida. Uma noite enfeitiçada de poesia e de emoção, de um coração que reencontrou a sua alegria. Eu observo a noite porque a vida me jogou em seus braços, porque o sono me fugiu do corpo, porque a minha alma se embriagou de comoção. Eu escrevo os versos mais belos agora, embelezados pelo olhar da noite sobre mim, embelezados pelo amor que ela trouxe outra vez para o meu peito.

É madrugada. Eu escrevo sorrateiro os versos de um novo amor sem fim. Outra vez eu me oferendo ao olhar de uma mulher e o meu caminho se abre de novo em rumo certo. Por certo esta noite sabe bem como eu me sinto, rodando no infinito estranho de suas constelações. Eu tenho a noite. Ela me tem. Nós nos observamos em sua roda de moinho em giração.

Eu guardo a noite dentro do meu coração.
 

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Renascimento

Martelo. Martelo prego em estopa. Martelo a vida, prego, estopa. Onde eu deixei a minha roupa? Estou nu diante de ti, com os pés descalços e de trabalho morto. O que vês? Tu não entendes o que eu te escrevo ou não quer ver? Não tape o sol com a peneira ou me condene diante do santo altar. Eu sou culpado, mas e tu? Já avaliou os teus pecados?

Martelo o prego da cruz, o crucifixo. Crucificado estou em pleno exílio, e minha alma pasta nos campos verdes do Senhor. O meu silêncio é a minha dor, mas rancor não existe no meu coração. Não, eu estou em meio à construção de um poema, iluminado estou pela poesia, pelo amor de uma mulher menina em propulsão. Mas estou crucificado.



Pecado? Eu estou curado do pecado. Pelo amor sublime eu fui tocado, e talvez por isso eu me encontre atordoado. Eu fui tocado pela lenda da paixão, não a de Cristo, mas pela mão de uma mulher em seu amor. Amor trigueiro, amor pleno de romances, de brisa e de ventos. Amor que não encontra nas palavras definição ou valimento. Pecado? Não. Estou curado. Pelo amor sublime eu fui tocado.

Crucificado eu estou, mas o que importa? Ressuscitado estou em meu espírito, abençoado pelo amor depositado. Martelo a vida, o prego, a estopa. Tu não vistes onde eu deixei a minha roupa? Eu estou nu diante de ti, mas o que vês? Um homem pelado? Um campanário? Libertado estou eu da tua avaliação. A minha alma é um cenário de transformação. Estou salvo. O amor me libertou. 

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Amor e loucura

Eu te amo. Apesar dos enganos e das desilusões, apesar das minhas alucinações. Eu te amo. Amo como se fosse impossível te amar, de forma louca e boêmia, de forma inventada, construída. Na ruína deste dia ruim eu reconstruo o meu amor. Tu és a flor da minha vida, por isso eu te amo. Eu te beijo enquanto dormes, e te admiro. Miro a tua beleza no espelho dos meus olhos e me extasio. Eu te amo. Nada além disso importa.

A porta do nosso quarto está aberta e te espera retornar. Tu vais para onde o teu coração mandar, mas eu quero que tu sejas dele a dona. Detona o meu coração com tuas palavras fulas, furacão em fúria que encontrou um corredor. Eu te escuto, eu sou merecedor. Merecedor de cada navalha com que me atacas, de cada punhal que me destina. Eu te amo. Nada me alucina. Eu sou o louco que escolheu amar-te em demasia.


Tu dormes em nossa cama. Bela, serenada, ainda inquieta. Eu te descrevo como a mais bela roseira de um jardim inexorável. Inevitável por fim é eu te aceitar assim, do jeito que tu és: louca, desequilibrada, coberta de razão em cada início de palavra. Eu te amo. Tu me amas. A ninguém pertence os nossos passos que não a nossa estrada. Vem comigo. Me perdoa. Eu não consigo caminhar sem tua risada.

Amada minha, rosto de anjo, angelical sonho que me trazes à razão. Eu te contemplo com os olhos de um leão enquanto dormes. Teu corpo nu sob o lençol é o meu poema. Flor de açucena, doce mel em minha boca, amor de uma vida inteira em construção. Eu te amo enquanto dormes. Tu não rejeita. Eu te beijo a boca. Eu embalo o teu sono e te seguro pela mão.

Eu te amo. A ti foi que eu entreguei meu coração.   

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Desilusão?

Eu não posso conviver com a tua loucura. Noturna e negra é a tua alma, e eu sou o oposto do teu sol. O anzol que me fisgou perdeu sua fisga, e a rusga que me apunhá-la em todo o dia mostra-me o equívoco. Me esquivo das palavras para fugir de ti, mas tu me enredas num labirinto do qual eu não consigo me libertar. Eu te pergunto: você está disposta a me amar?

Entrega-te ao teu destino, seja ele qual o for. Se partires eu chorarei por ti, mas não irei mais te impedir. Tu pareces não querer viver o que eu vivo, compreender o que me move, aceitar o que te dou. Segue o teu caminho de romances passageiros se este for o teu destino, pois chegará o dia em que tu vais te encontrar. Eu te ofereço um porto seguro além do mar, em terra firme, longe das grandes ondas de um oceano intransponivel. Se não é o que queres, meu amor, então não ancore a tua nau nestas paragens.


Que eu sou um mistério de cruzeiro, um triângulo das bermudas desconhecido dos homens, um tesouro a descobrir. E eu procuro uma mulher, não a menina. Eu tenho tanto de valor quanto defeitos, mas os meus feitos são maiores que os meus erros. E sou merecedor de cada um dos meus caminhos. Eu te escolhi em meio a tantas seduzido por tua fala, e te trouxe com tua mala para a minha vida atribulada, mas, e você? Viestes? Ainda há tempo de zarpar no rumo do mar desconhecido.

Tu sabes como eu sou e como penso, e eu te pergunto: porque me provocas? Porque fazes tudo o que não gosto? Porque escolhe reviver o teu passado e esquece do futuro que te abre um novo céu? É nele que eu estou, não no que passou, e eu não quero mais lembrar-te disso. No improviso disso tudo estamos nós, conduzidos por um amor que não se encontra. Mais uma vez eu te procuro, e te relevo, mas agora eu renego as tuas palavras. É meu direito. É a minha derrota. Existem horas em que só o silêncio nos conforta.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Redemoinhos

Redemoinho. A vida é um redemoinho helicoidal a transmudar remansos de silêncio e calmaria. Mesmo nas águas mais calmas e profundas se escondem redemoinhos gigantes, como buracos negros escondidos numa via láctea de águas. Toda a luz é translúcida quando encontra um redemoinho. Todo o universo é um caracol. O olho do redemoinho é um girassol. Toda a luz do universo é dele, tudo é sugado para dentro: o medo, a dor, o amor e os seus valimentos. Nada escapa de sua centrífuga giratória.


A memória do tempo é quem sobrevive, e nada mais. Quando a vida cai em um redemoinho nada e nem ninguém pode escapar . Entregue-se, é inútil resistir. No final do ciclo algo novo vai surgir da enlouquecida rotação. Um redemoinho é uma demolição: não sobra pedra sobre pedra. Depois de tudo são somente escombros de uma vida inteira que se transformou. E a vida é um redemoinho helicoidal a transmudar remansos de sonhos e de aclimatação. Não espere por remansos mais profundos, comece você mesmo a transformação. Não seja tragado pela força descomunal do redemoinho, fuja para a margem. Não se deixe enganar na calmaria. Por trás de um redemoinho há uma porfia.

domingo, 7 de outubro de 2012

Canção de primavera

É chegada a primavera. Tempo de espera e de flores nos cabelos, de cores e de uma nova e envolvente alvorada. Na jornada da vida que cada um de nós conduz, a estação da primavera é a flor da terra. Nela os sonhos se refazem e os amores reflorescem. A juventude dos anos conduz a primavera, e pela magia das suas cores nós somos seduzidos.

O sol é um zumbido sobre as flores na janela. A primavera é a prima Donna que chega em caravelas do oriente, com tecidos multicores e aromas doces, ocres e amadeirados. Nada ela traz de seu passado, apenas renovados matizes e arco-íris multicores. Flores que nunca florescem nela se vestem de alegria, e a fantasia dos olhos ganhas asas em suas cores. A primavera é uma festa.

Eu caminho pelas ruas da cidade e a percebo em cada esquina, no meio dos canteiros das avenidas movimentadas e no balcão das casas e sacadas dos apartamentos que se erguem como espinhos num jardim de cimento e de concreto. Tudo é mais belo e mais vivo em sua presença, multicor. O amor encontra um cenário para se refazer, e nela eu quero me entregar e renascer. Eu sou um pintor de primaveras, um escultor de versos para os seus encantos. Um canto livre me brota da garganta, e eu me entrego à magia da estação.

Já é chagada a primavera.   

  

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Dos caminhos do amanhã

Uma lágrima pela nostalgia de um momento, por um tempo que ficou para trás. Os dias se arrastam para o consumo da vida e só o que fica são as lembranças do passado. O tempo presente é tão breve, tão instantâneo, etéreo. É o elo de uma corrente rompida na alvorada dos dias que floresceram, os que guardam os nossos erros e os acertos.

Uma lágrima por este tempo. De um tempo em que tudo era um sonho coberto de flores e alecrins, onde a vastidão do campo não assombrava um jovem andarilho que forjava o seu caminho. Não existem horizontes de espinho aos olhos de quem é jovem, nem poeira capaz de turvar os seus olhos sedentos de alforria. As asas da mocidade são vagalhões que lavam e transformam a alma do tempo. Mas não reclamo do tempo. Não. Nele eu vivi tudo o que podia e tudo o que eu quis. A intensidade deserta de cada lembrança é uma quimera feliz. Eu caminho para frente, para o futuro dos meus dias arredios, dos meus sonhos alquebrados, para o meu consumismo inovador. O caminho que me leva ao amanhã é o de agora. Nesta estrada eu sigo adiante, viageiro.

Vem comigo. Que a minha estrada é um caminho passageiro.



segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Versos de Outubro

Um verso para outubro. Outubro vermelho. Outubro negro. Um verso para sustentar um castelo, para salvar um naufrágio, para oferecer aos deuses do coração. Eu escrevo com o calor da emoção que me comove, que me liberta e se liberta das amarras de minha alma, saindo de onde eu julguei não mais existir vida. Como um czarista eu refutava outubro, mês de revoluções, mês de reverência.

Eu saúdo outubro com as flores de uma primavera entardecida, resolvida em seus odores e perfumes. Eu brindo o calendário com o vinho que os meus próprios pés esmagaram. Eu ofereço a ele o meu cadafalso. No rastro de setembro este outubro que chega me traz garoa e tempestades, céus de cinza enegrecidos e caminhos borrados num horizonte gris. Mas misteriosamente eu estou feliz, feliz e sorridente, rindo sorrateiramente. Eu estou como àquele que ganhou dentes novos e que saúda a vida com um copo d'água, fazendo de cada dia uma nova celebração.

Sejas bem vindo, outubro! Mês de meus trinta e tantos anos, sejas bem vindo! Eu te recebo de braços abertos, com a alma cheia de poesia. Construiremos juntos o meu mais lindo verso, num poema novo repleto de novos ventos e alegrias. Ventos de mudança, alegrias que reascendem grandes esperanças. Meus cachorros dormem ao meu lado, e um novo amor parece florescer dentro de mim.

Outubro, sejas bem vindo!

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Quando só o amor nos guarda

O que é o amor incondicional? Alguém pode amar assim? Eu penso que não. O amor é um rio de grande ilusão que escorre das artérias e do coração e nos arrasta para fora. Sim, para fora. Somos varridos pelo amor e por não sabermos amar jogamos fora o que de melhor ele nos dá. Vivemos presos no passado e no futuro e nos esquecemos do presente. E o amor é sempre onipresente, atemporal.

Eu faço mal ao meu amor, sou egoísta, ruim por natureza. Causo mal às pessoas que me cercam e as tuas palavras são a certeza desta constatação. A ilusão de ser não é maior do que a dor que isso causa em mim, o que, por fim, é o que interessa. Primeiro sentimos o peso da inércia e só depois a solidão, então a cortina da alma se fecha. E eu não consigo sair das trevas quando me perco nelas, e confronto o lamento e o tempo do teu olhar.


O teu passado me atormenta, mas eu relevo tudo o que consigo. No improviso das madrugadas mal-dormidas eu te procuro em minha cama e nos amamos. E só na glória deste momento é que eu compreendo que tudo é menor que o meu amor. Mas mesmo assim depois de tudo eu te condeno. E me condeno. E nos perdemos na tradução e no conflito das palavras.

Eu não sei voar. Ensina-me a caminhar por sobre as águas.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

A glória da mentira

Qual é a verdade da mentira? Uma promessa? Uma ilusão? Um amor de verão que não resiste ao outono? Eu te digo: é uma armadilha. Não há verdade na mentira, nem triunfos em sua faceta mais sutil ou obscura. Nada resiste a temperatura do tempo, nem mesmo ela. Muito menos ela. A mentira se esfacela na sua própria história, um pouco hoje, outro amanhã, sempre mais em cada dia. Sua teia é uma rede que a nós mesmo nos prende em agonia.

Existe glória na mentira? Sim, por um momento. A glória dos tolos e dos cegos, os que são tomados pelos seus enredos. Pouco a pouco os seus tormentos revelados viram vagalhões que retornam sobre a praia dos que mentem e levam tudo o que encontrar. Destroem sem pensar o que de mais valor nós somos. Arrancam da alma a fiel balança que sustenta a confiança e amassam o nosso melhor sabor. Ela não compensa o tempo em que triunfa.

Uma meia verdade é uma mentira. O seu fundo encobre o que de real ela apresenta. Se tirar a sua roupa em praça pública ela saltará aos olhos diante da verdade, e nada vai sanar o seu imbróglio natural. E tudo o que construir vai virar sal, não importa o que fizer depois. Então eu te digo: enfrente o medo e revele os teus segredos.

Não arrisque o destino pelo improviso das palavras, pois elas um dia sempre nos traem. Arrisque o necessário, mas não guarde em seu armário esqueletos velhos, que eles sairão de lá para lhe assombrar. Caminhar para frente em liberdade e em lealdade, eis como simplesmente deve ser. Olhar-se num espelho e não mais ver a máscara branca, velada pelas sombras de um passado nebuloso, como se fora um arlequim ou pierrot atormentados.  

Eu sou a prova: onde há verdade não existem mais pecados.

domingo, 23 de setembro de 2012

DESTINO

Tu viajas comigo. Na caminhada que me envolvo na busca do meu novo destino tu viajas comigo, comigo e em meu coração. É difícil dizer da razão desse sentido, a fonte deste novo sentimento. Eu não sei dizer o que promove esse desejo de estar contigo, de querer voltar antes mesmo de partir, de estar a sonhar acordado com a inicial do teu nome. Eu olho a estrada pelo parabrisas do carro e te percebo, e te sinto, e quase toco com os dedos o teu olhar.

Na solidão da estrada eu escuto a tua risada, o cristalino da tua garganta e da tua voz. Eu não estou sozinho onde caminho pois eu sinto a tua presença, e cada vez que eu olho para o céu n´alguma estrela eu encontro o teu olhar. Eu poderia navegar por sete mares que não me perderia. Eu poderia me jogar no abismo da solidão da alma que eu sei que de lá você me resgataria. Pois eu estive à beira do penhasco que esconde a escuridão da morte e tu não me deixou cair. Eu sei que já não estou mais sozinho.

Agora o meu caminho está apenas começando. Recomeçando. Eu andei perdido de mim e dos meus valores, das minhas crenças e dos meus amores e tu me resgatou. Eu estou outra vez no prumo, centrado em meu mais recente sonho, absorto em meu mais surpreendente amor. Com a dor das culpas do passado eu me levanto, e ando, e reescrevo a minha história. Agora eu quero florescer, fazer de mim algo melhor, respirar e aprovar meu bem viver.  Te mereçer eu vou fazer por bem, embora tu não goste de eu pensar assim.
 
Seremos por fim anjo e demônio rebelados, renascidos e salvados, arrependidos dos pecados e das nossas mais obscuras paixões. Seremos dois amores surpreendidos, libertados, unidos por um estranho e encantador destino. Tu sempre soubes que daria certo, eu é que demorei para perceber o que é real. Não há mal que sempre dure tu me disse, e as tuas palavras me salvaram. O meu caminho agora será longo e arredio, de desafios e de percalços, mas eu olho a estrada pelo parabrisas do carro e já não tenho medo. Eu te percebo. Eu sei que não estou sozinho.
 
Tu és agora a direção do meu destino.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Eu e a distância

A distância é uma esperança, uma estrada que dança na canção do vento, um firmamento que não se desenha no horizonte, mas que deixa o seu matiz. É algo que se faz pelos caminhos, onde a vida amarra os sonhos e os amores. A distância é algo que encerra os temores da jornada e que alimenta os homens que partem na busca do seu destino. É um desvario, um desaviso que não encontra o seu querer.

Foi na distância eu fiz o meu viver, no ir e vir dos descaminhos. Eu sou um barqueiro peregrino que, de um lado ao outro do rio, vê as águas do tempo em paralelo. Dos invernos do tempo aos janeiros dos anos eu fiz o meu viver, sempre a querer encontrar os atalhos da minha solidão. Eu e a distância somos íntimos no coração e misteriosos são os sentidos que nos uniram numa única dimensão. Eu e a distância somos únicos, e talvez por isso eu seja assim, introspectivo, distante do mundo e na alma um viajeiro.

Nós somos, eu e a distância, um único caminho passageiro. Somos fronteiros numa fronteira desconhecida, parceiros de alma e de silêncio. Somos estradeiros com o destino definido, improváveis companheiros que se uniram no horizonte dos caminhos. Somos cúmplices de um olhar perdido no infinito, onde o destino e os sonhos são escritos. A distância é uma esperança que dança na canção do vento, um desvario que não encontra o seu querer.

Por ela é que eu redesenho o meu viver.


segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O caçador

Um caçador. Assim eu me senti naquela noite sem luar, de estranhos relâmpagos e de louca e insana tempestade. Um caçador à espreita da sua presa aniquilada, perfumada pelo sereno da noite e pelo sangue visitante em cada mês. Indiferente a têz de tuas dores eu te suguei, indiferente aos teus problemas cotidianos, da tua alma de menina atroz ou do olhar que esconde mares de malícias e de enganos, enredada aos olhos desatentos do desejo. Indiferente e insensível, caçador. Foi assim que eu te tomei naquela noite sem luar.

Tu eras uma gazela a saltitar. Inebriante gazela com aromas de defloração. A tua aprovação eu não colhi, me atirei em ti com todo o ódio do meu membro, faminto pelo cheiro ocre e pelo rímel do teu rosto, pelo azedo do teu ventre e pelo aroma inebriante do teu mais íntimo e intimidante gosto. Com o dedo direito eu te toquei - profundo toque - e te mordi. Tu eras um colibri preso em minha teia, e sem pedir licença eu invadi o teu corpo esguio, arredio mas rijo e teso, preso em meu tesão. Meu coração saltou à boca na minha boca, mas não parei mais de te amar.



A noite abafou o teu gritar e nada e nem ninguém veio ao teu socorro. Sobre o teu corpo esbelto eu abati o meu desejo, despejei meu sumo imenso e escorrí numa cascata de fluídos. Tu fostes apenas um vaso esquecido de fina porcelana japonesa. Bela, mas sem beleza. Pura, mas impura em sua inocência. Amada, mas pelo desejo despojada. O teu gozo foi tão intenso quanto o meu, mas mais intenso. Foi perfumado. Impuro gozo, descarnado e desproposital. Experimental.

Eu te trato sem rumores e pudores, sem poemas e romances, e tu me queres mesmo assim. Tu lambes o sal de minha pele e bebes do sêmen derramado que há em mim. Eu te possuo em cada lado do teu corpo e em cada espaço inventado na busca do prazer. Não temos limites neste entardecer. Tu gostas de viver intensamente e eu sou a própria vida em propulsão. Nós somos um vulcão por explodir, à expelir todas as formas desse amor.

Tu és a presa. Eu sou o caçador.
         

domingo, 16 de setembro de 2012

No silêncio da estação

Eu estou sentado à beira dos trilhos esperando por um trem que não vem. A velha estação é só silêncio, e suas portas e janelas estão trancadas com os meus sonhos represados e esquecidos. Sobre os trilhos nasceram ervas e flores multicores. A velha pipa d´água resiste, mas até quando? Eu me esborracho no tempo na espera de um trem que não vem.

Eu sei que o tempo deste tempo já passou, mas imagino os dias de glória destes dias. Máquinas e homens no meio do vapor e do carvão, num tempo de descobertas e de motivação. Um vagão depois do outro, de cargas e de passageiros, de amores que vem, de vidas que se cruzam e de amores que se vão. Eu espero o sinaleiro, o apito, mas eu sei que eles não vem. É tão misterioso pensar neste mister, estar sentado feito um passageiro clandestino, sem destino, a mala carregada de sonhos e de esperanças. Uma estação é um mausoléu de paz que uma cidade guarda. Um cenário que parou o seu relógio e os seus ponteiros. A estrada de ferro é um desafio ao meu destino. Os seus caminhos são trilhos que rastejam em agonia, e tudo é uma porfia de ilusão. Não volta mais o tempo que se foi, assim como não se reascende uma paixão.

Os meus amores são como esses trens de passageiros que se foram. Por mais intensos que foram eles passaram, e em mim ficaram apenas lembranças e as suas marcas. Assim eu percebo os silêncios da velha estação. Eu escuto o seu lamento e tudo o que vejo nela é igual ao meu passado. Um passado de glórias e de alegrias, mas que já não cabe no bolso dos meus novos e vindouros dias. Eu estive sentado na velha estação esperando por um trem que já não vem. Eu estive, não mais estou. Eu agora ando pelos trilhos, no rítmo do meu próprio tempo e espírito. A estrada de ferro é um desafio ao meu caminho, mas eu sigo agora sabedor da minha direção.

O meu coração é um trem andando sobre os trilhos do destino.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Nas sesmarias do poema

Prepara o teu coração, a emoção, e tudo o que te inspira. O palco é a tua vida, uma extensão da tua alma. Medita com a cigarra da noite e transita entre o novo e o imaginário. Dá asas ao sonho de libertar o poema preso no papel, exercita à exaustão a emoção e a forma, e dá a ele o teu toque pessoal. Entenda o mal e o bem que o conduz, reluz no espelho dos versos do poeta louco que o escreve, e estende a mão para a melodia que amadrinha o teu olhar. Sente e vive o momento deste affair.

É o teu momento. O que sentes será o teu espelho, e o fogo acesso do destino vai arder em teu olhar. Não temas o mar, que navegar sempre é preciso. Nas sesmarias do infinito tu vais brilhar como uma única estrela, a mais bela de um céu de alumbramentos. O poema será o teu cometa sideral, e tu vais estar entre os astros de um seleto coliseu. O palco será teu, mas enfeitado de asas. Dá a ele o ar da tua graça. Entrega a ele a beleza ímpar da tua alma. Empresta ao povo o que é só teu, e conduz a emoção aos corações.



Eu te desejo o meu maior encantamento, pois acredito em teus sentidos. É do infinito que deves combinar o teu saber, nascer de dentro do poema construído. Dá-lhe o sentido da vida e mãos de semeador, e semeia com ele todo o teu esplendor. Espalha ao sabor do vento a boa nova, e reduz formas à forma da tua bela construção. Na imensidão da tua alma existem sonhos e quimeras não contidos, mas não se deixe alumbrar com os infinitos. É chegada a hora da emoção.

Ao pisar no palco lembra: é o teu momento. Mágico, mas de árdua jornada e caminhada. Aproveita cada palavra e cada instante que a poesia te oferece. Que a vida é feita de momentos e emoção, e é em resumo um poema em construção. Eu te desejo a minha mais perfeita inspiração, o meu melhor desejo de sucesso e de alegria. Sorria, pois que é chegado o teu momento. Acrescento apenas o que sabes mais que eu: dá a tua vida ao mundo dos teus versos, põe asas nas palavras, e veste a tua alma com o poema construído. Que todo o resto será aplausos e sorrisos.

Eu te desejo a minha mais perfeita inspiração.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A solidão da espera

Mais uma vez eu estou só. Dentro de mim eu estou só, e a minha alma mergulha no silêncio do universo. Somente tu tinha o verso que me acalma, mas onde estavas? Eu tenho-te tão perto e, ao mesmo tempo, te sinto tão distante. Eu estou só e a solidão da noite é tão vasta, arredia, calcinante. O teu riso cristalino eu escuto ao longe, alegre e feliz, construído em cima da minha total e imensa tristeza. E a presença constante da tua ausência tem a força de, aos poucos, me afastar de ti.

Mais uma vez eu estou só. Mais um motivo inexplicável para mim, embora as palavras sempre te justifiquem, te expliquem ou te contemplem. Te relevam, mas não tem o dom de apagar o que sinto, o que senti, ou o que não queria deixar acontecer. E todo o resto é consequência. Tu precisas ver que entre dois corpos há uma alma tensa que te espera, e que o amor é total cumplicidade. Cuida do teu amor , trata-o com louvor e zê-lo, carinho, desejo e compreensão. A solidão é a porta de entrada para a dor.

Mais uma noite eu fiquei só, distante de ti tempo demais. E isso só fez a noite entristecida e trouxe a sua morte anunciada. Não, eu não quero apenas o teu corpo sobre o meu na madrugada fria do desejo, eu quero o aconchego do teu seio em meus arroubos, a voz dos teus lábios em meus ouvidos, o teu silêncio junto a mim. Mas enfim, eu escuto o teu riso alegre enquanto escrevo este poema triste, pois já vai longe a madrugada e tu ainda não viestes até mim.

Eu, no entanto, te espero desde há tempos. Meus enredos e relógios se cansaram e já não marcam o tempo desta espera. Mas eu estou só. A minha alma se afoga na plenitude da escuridão da noite e se perde no breu. Até quando? Meu coração já não suporta esta quimera. Quisera eu estar distante agora, numa estrela desconhecida dos humanos no horizonte de uma outra dimensão. Lá eu seria amigo do rei e teria - como Bandeira - a mulher mais bela na cama que quisesse. Mas eu só tenho a minha cama, e não quero além de ti mais ninguém.

Somente tu tens o verso que me acalma. Mas onde estavas?

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Amor: carne do desejo

Ontem eu beijei o teu ventre e te amei. Ontem eu estive visitante no teu corpo, vestido de luz e de sêmen. Teus lábios luzidios foram vertígem, e tuas unhas deixaram sulcos nas minhas costas. Na forma das coisas naturais as curvas dos teus seios loucos apontados para mim. Ontem eu te amei assim, em minha cama, na geografia dos lençóis que já são teus, que guardam o teu cheiro, e que me revelam teus segredos ao toque fino dos meus dedos.

Ontem eu te toquei com mãos e dentes. Teu hálito quente sugou o meu suor, e juntos bebemos na fonte do amor. Ontem eu beijei o teu ventre, e te amei.


Ontem eu te devorei. Encontrei o meu prazer em tua boca, e gozei aos borbotões sob a tua saia. Tu eras uma escrava a me beijar, e os teus cabelos uma corda de puxar. E as palavras que me destes não eram de amor, mas depravadas. Ontem tu fostes devorada e mastigada, arrombada e conquistada pelo amor carnal que tanto enseja, na sutil singeleza que se esconde em teu olhar. Ontem eu te amei assim, sem te ofertar romances ou carinhos.

Ontem eu te amei com força e subsídios, e tuas unhas abriram sulcos nas minhas costas. Amor de derrota: pênis, ânus, boca e seios. Amor que encontrou meios mas não a inspiração.      

domingo, 9 de setembro de 2012

Canção do peregrino

É difícil dizer o que me guarda. Eu não sei o que sinto, algo entre o gosto do vinho e do vinagre, do sal e do aspargo. Tudo o que faço tem um único sentido, mas eu não sou mais compreendido. Tenho sido assim, perseguido como a um animal ferido, que só se defende dos perígos porque quer sobreviver. Para onde correr eu já não sei. A tristeza que me assalta agora é um pouco dessa mágoa que me assola, desta falta de prazer, do carinho que eu não colhi e deixei de receber.

É difícil dizer o que me cerca. Uma porta aberta e um caminho que eu não sei reconhecer, onde tudo é difícil quando já não se tem dezoito anos. Um engano para os que pensam que eu sou forte, que resisto aos ventos e aos cataventos, ou que tenho uma cartola e um coelho para todos os momentos. O meu coração está triste. A minha alma comunga da dor. Quero renascer mas não consigo, e a vida tem me deixado pouco a escolher. Compreender o futuro é o que me resta, colher a flor do amor e dar adeus aos que se vão.

Eu sou o peregrino que caminha nas montanhas verdes, sob uma trilha estreita e íngreme, à beira de um declíve vertical. Qualquer desequilíbrio será fatal. Eu aceito o horizonte e todo o inesperado do caminho. É difícil dizer o que me espera, mas o destino não me assusta mais. Eu olho o penhasco à minha frente e vejo núvens e cerração. Nele estão guardados os caminhos que me levam adiante, e a estrada onde um dia eu semeei os meus lindos sonhos de verão.

Eu sou um peregrino em mutação.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Reino interior

Meu interior. Não existe cor ali, nem matiz. Existe a infeliz resposta do querer, do viver e do não saber. Três verbos que dizem tudo e não dizem nada, e que se esfacelam. As mazelas eu curo com macela, que alguns dizem marcela, mas que sempre é o mesmo chá: amargo, amarelo, aquarelado de azedume. Meu interior é um cardume de peixes todos da mesma espécie, sardinhas prensadas numa rede, rude singeleza de óleo e lata, um universo contido em uma circunstância.

Escrevo sobre mim porque preciso. Desculpe-me o improviso, mas eu não posso controlar. Estou como àquele que contempla o mar sem ser capaz de atravessá-lo, mas que mesmo assim se atira aos contrafortes. Com sorte eu chego à Africa ainda pela manhã, mas tubarões rondam a minha enseada. Eu sempre pensei que nada seria capaz de me deter, hoje eu penso que o querer nem sempre é o suficiente. Meu interior pressente o início e o fim, mas eu sou um universo contido em uma esfera.


O dia está nublado, sem sol, e eu me pergunto: onde foi parar a minha luz? Quem me conduz agora é o turbilhão do destino, e nele eu sou apenas mais um em desatino. Eu sempre brilhei por conta própria, mas agora eu procuro a luz no fim do túnel. Somente tu, que nesta hora me questiona, é quem me orienta. Meu interior não se contenta em ter-te apenas por metade, talvez por isto esta ansiedade, talvez por isso este vazio. Eu sou um universo contido em uma estrela.

Eu sigo para onde tu me apontas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A fada dos bolos

Um bolo de cenoura, de laranja, um bolo de côco. Bolo inventado e transformado, com ares de abatumado. Bolo com açucar e sem açucar, queimado, azulado e bem passado, bolo com canela e bolinhos de chuva, fritos. A fada dos bolos não escolhe o seu cardápio. Farinha e ovos, fermento e está feito o seu trabalho. Não escolhe lados nem letreiros, constrói a sua imagem por sua simples natureza. Existe uma beleza ímpar nas suas mãos de confeiteira, mas no sorriso está um olhar maroto e sedutor.

Eu não gosto de bolos e nem dos seus recheios. Doces são azedos demais para o meu gosto. Eu os consumo na medida do prazer: nem mais, nem menos. Mas ela ama os seus confeitos, devora-os com a fome de um leão, e bebe o seu café regado por pedaços de torta de limão. A fada dos bolos é um mistério: tem um riso inconfundível, parece invisível e quando quer sabe ser notada. É uma estrada de ferro onde descansa um trem de passageiros. Muitos deles ela carrega em seus vagões.

Qual será o bolo de hoje? Cenários imprevisíveis são traçados quando ela bate a sua massa. Entre o ballet e a fumaça existe um fogo imenso que queima em seu olhar. Um fogo que se transforma num doce, num bolo escuro com cobertura de morango e chocolate. A fada dos bolos é uma mulher, mas poucos sabem. O luar esconde os seus segredos sorrateiros.

Eu quero um pedaço do seu coração.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Dos mistérios de um poema

Procuro uma alcunha para te dizer, mas não encontro. Procuro uma cascata para me banhar, e quase me afogo. No meio da água fria que cai dos cerros eu te vejo debaixo da floresta, de pés virados, correndo para me salvar. Penso: tu és uma Currupira, a deusa da mata e das florestas, ou a Iara das águas brasileiras. Eu sou salvo em teus braços, mas é a tua boca quem me traz à vida novamente. Eu me transformo em vertente e tu segues o teu caminho.

De onde viestes? O meu olhar procura por teu rastro e sequer encontro as tuas pegadas. Na mata eu me afundo no destino, enquanto a tarde ensolarada abafa os meus pensamentos. Eu sonho com o momento em que irei rever-te. Sou um tolo às vezes, mas quem não o é? Eu sou um homem sério, mas tu me fazes rir de mim mesmo e do meu jeito, e isso talvez seja o teu encanto. Encantado estou pelo teu canto, e se me espanto com o que me dizes é porque nunca sei o que dizer.

Não existem canais para um encontro, nem pouso ou embarcações. Nem aeroportos. Tu és o sol e eu sou a noite, tu és a lua e eu sou o eclípse, tu és um rio e eu sou uma cacimba. Nossa semente vai germinar onde encontrar terra ferída, e um dia seremos flor e fruto, amor e alegria. Eu te procuro pela mata vírgem, e em cada reboleira eu encontro uma vertígem. Somente quando encontro a minha paz eu te reencontro. E tu me recebes de braços sorridentes e abertos. Dos interiores de mim eu te percebo. Nos meus interiores tu me habitas.

Seja bem vinda ao mundo, minha musa. Obscura e bela, misteriosa poesia.
 

domingo, 2 de setembro de 2012

A sereia do lago

Sapato agulha. Vermelho. Era isso o que a sereia do lago vestia. Um sapato agulha vermelho, com fecho-ecler. Nada de rabo de sereia ou corpo de peixe, essas coisas sobrenaturais. Quer dizer: nada de tradicional no sobrenatural. Uma sereia que habita um lago não pode-se dizer que não seja algo de sobrenatural. Do fundo da noite ela saiu, molhada, vinda do espelho das águas tranquilas do lago enluarado. Um bosque de salsos o margeava, e ela por ele caminhava. Eu não lhe disse nada, eu não lhe disse sim. Seus olhos cor de carmin me seduziram pelo olhar.

Um canto doce em meus ouvidos eu ouvi. Na estrada de chão por onde eu andava a poeira era a marca dos meus passos. Foi quando ela do bosque emergiu e o meu caminho se apagou. O seu corpo era fatal, o seu olhar maroto e sedutor, e a sua boca era um favo de mel que transbordava. Bolero preto, calcinha cor de vinho, e um perfume que lembrava os sabores e os aromas de café. E um sapato agulha. Vermelho. Sob o luar os seus seios eram pequenos cômoros de areia. Ela era uma mulher em um corpo de mulher, mas sereia.

E foi assim: um encontro de amor. Amei o seu corpo como a um outono iluminado, num encontro inacabado de carícias e lençóis. Dois sóis que, juntos, iluminaram a noite. Assombrosas frontes em busca de saciar carícias e desejos. Eu viajeiro, ela sereia. Do lago enluarado uma densa neblina veio nos saudar. Eu era um caminheiro. Ela era uma mulher em corpo de mulher, e sereia.

Um sonho, tu me dirás. Mas de onde veio este sapato agulha que se encontra agora em minhas mãos? 

sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O sono dos anjos

Dorme em minha cama um anjo torto. Eu a contemplo em toda a minha madrugada. Na estrada da vida isto é, com certeza, uma surpresa. Eu me calo para não espantar seu lindo sono. No abandono de tudo eu a contemplo, com medo de que ela võe para o céu de estrelas. Eu a descrevo em absoluta e total contemplação, tentando desvendar-lhe os seus segredos. Mas não há segredos para os anjos. Eu a contemplo em sua face. Acaricio os seus cabelos, toco em suas roupas. Sou tentado a beijar sua boca, e um fogo intenso se derrama sobre o leito. Eu retrocedo, que um anjo tem lá suas artimanhas.

Qual é o sexo dos anjos? Tocá-la eu não me atrevo, não enquanto é bela a madrugada. Ela dorme, indiferente a mim e aos meus receios. Ao tempo, indiferente. Indiferente a noite que ela guarda. Será ela o meu anjo da guarda? Cansada está por certo esta mocinha, mas como saber? Tocá-la eu não me atrevo, não enquanto é bela a madrugada.

Ela dorme em minha cama feito um anjo. Eu sou um poeta louco, insone e sonhador.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Noturno

Escuro. Eu nada vejo. Apedrejo um véu de sereno e madrugada. Uma lágrima escorre dos meus olhos, e eu a percebo. Eu a seco, sinto o sal da sua mágoa, e sigo em frente. Digo para quem a entende que eu errei, e reconheço. É difícil reconhecer um erro, mas me é digno. Eu glorifico o meu pecado e me liberto. Ainda é escuro, e eu não te vejo. A luz é algo que vampiros não suportam, e eu trago alho, cruzes e uma bala de prata em meus pertences.

Escuro. Eu escuto o silêncio e te procuro. A tua tristeza é esta mágoa que eu causei. Só eu entendo o que causei. Mas eu compreendo que te quero como a um queijo suiço. Eu sou um rato entorpecido que não consegue carregar o que ganhou da vida, e sempre volto ao calabouço dos esgotos. Eu te venero. Velo o teu sono a noite inteira. No escuro da noite eu te procuro, mas tu dormes, longe, numa casa antiga, numa cama larga e solitária, esvaziada por minhas infiéis diossincrassias.

Noturno. Eu me transmudo. Sou um lobo solitário uviando para a lua. Tu choras - nua - ferida pela ausência das palavras. Eu me torturo. Escrevo versos duros num poema sem sentido e compaixão, e o amor eu já não sei simplificar. Talvez eu já não saiba mais amar.

Eu ainda te procuro.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quase setembro

Se reflete no espelho da lagoa o meu olhar. Eu vejo o céu por meus olhos, mesmo no campo, em meio a uma noite enluarada. A estrada é uma cruzada longa para quem é um andante, e não termina onde descansa o horizonte. A fonte do olhar é mais do que a água, é a alma do campo que se desencilha de mim e toma forma. A noite é um espelho de estrelas, enluarada de poncho e de geada. A lagoa reflete o meu olhar, e eu me vejo nela. Solfejos de prata e cordas de fina seda e algodão. Eu compreendo a razão de ser assim, meio louco e milongueiro, um pouco de payador e contrário aos governos, pernas de vento e mãos de laçador. Eu me vejo enfim, e me entendo diante do momento mágico do silêncio, de onde nasce a poesia e a minha inspiração.

Nada me falta. Tudo o que preciso eu encontro aqui, neste meu chão sulino. Sou paisano nascido no garrão do continente, entre fronteiros e pampeanos, índios, negros, brancos e araganos. Eu sou parte do campo e da terra, da seiva que encerra três séculos de fronteiras, mescla de pampa e de querência, de cidades e de estâncias. Eu me vejo. No espelho da lagoa descansam os meus segredos, mas nesta noite de estrelas madrugueiras eu já não durmo mais. E num verso assim já bem nos disse Aureliano.

O meu olhar afunda nas águas. A lagoa reflete a minha alma, e como uma cigarra eu canto os seus encantos. Um tempo de bonança vem surgindo, numa carreta a noite se afasta e um novo dia se aprochega. Eu o espero, madrugador e cevador, diante um fogo de chão acesso em brasas de pau ferro. O tempo anuncia setembro, e eu sinto florir em meu peito milhões de anseios farroupilhas.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A espada do destino

Enquanto os cães ladram, a caravana passa. Emprestada é a espada que eu empunho, e com ela eu afio os meus apreços. Desprezo o lixo da hipocrisia e liberto da prisão pássaros presos. No dia do juízo eu me defendo, mas não para justificar-me de onde errei. Eu pago por mim e os meus defeitos, por meus desejos traiçoeiros. Eu recomeço. A vida é um atropelo e poucos são os caminhos que me absorvem. Escuto rumores e palavras em choque, pelas costas, nas sombras. Mas eu não tive medo de seguir os meus caminhos, então não fale mais de mim. Segue o teu destino. A espada que eu empunho é emprestada, e eu não a uso para justificar onde eu errei. Eu recomeço.

Eu só defendo o que quero. Não me entendas mal, afinal somos poetas. No samba das canções que nos inquietam está o paraíso, e eu não preciso de um rival, mas de um amigo. Eu não compartilho e nem divido o teu espaço, ele é somente teu. No coração de uma mulher há espaços para amigos e amantes, para loucos e confidentes, mas também para maçãs e serpentes. Somos iguais, muito embora diferentes, pois amamos o mesmo coração. Eu não escreverei outra canção igual a esta. A festa acaba aqui contra os meus versos, e o meu silêncio será a tua paz ou o teu ressentimento. Mas não te afastes. Deixa a coragem e a vertigem se pesarem. Deixa de lado o orgulho besta que sempre nos empresta. O que é certo? O que é errado? Somente a poesia é o que interessa.

Chegará o dia em que tudo vai estar posto e encerrado, e seremos apenas lembranças esquecidas num retrato. E nada mais.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Partilhamento

Estou preciso. Meu alvo foi atingido a contento, e eu me contento com o pouco que me cerca: uma cama usada de casal, dois travesseiros de astronauta, um quarto em semi-brilho, duas lâmpadas econômicas de duzentos watts, um cusco da raça pequinês, fiel e companheiro. Eis o que me toca na partilha dos anos que se foram nesta cachoeira que tragou barba, alma e cabelos. Estou no centro, ponteiros acertados, esperando o bonde do destino me levar. Vou embarcar com o pé direito, pé no estribo, bem montado e de à cavalo. Cavalo de ferro que bebe vapor e carvão. Cavalo e vagão de passageiros.

Estou exato. Incisivo. Me permito ver na janela jovens e donzelas saltitantes, colegiais e serviçais em desvario. Sou um rio no tempo. Me contenho para não me consumir em devaneios. Estou ad nuto, absorto em meus novos sonhos e objetivos, obstinado por seus caminhos passageiros. Sou o gelo dos invernos e a manhã dos calendários. O tempo é o meu canário belga cantador. Persigo um novo infinito além da dor dos mares que me arrastam em correntes marinhas falciformes. Sou um cruzador de caminhos, um relógio suiço acertado em seus ponteiros. Eu não estou parado. Eu estou preciso. Estou exato.

Eu caminho pleno na tua direção.

 

sábado, 25 de agosto de 2012

Para não dizer do amor

 Eu ando para frente. Acelero. Me desgoverno do destino e não tenho medo de fazer valer minhas vontades. Sou uma imensidade e fortaleza. Sou a ferramenta da minha construção. Sou a obra prima da minha criação. Eu escrevo sobre mim agora, mas para ti. Eu escrevo para ti para que entendas o que sobrou de mim, com o pouco que fiquei o com quem estou. Poucos foram os que ficaram comigo, mas tu ficou. Poucos foram os que não me condenaram, mas tu, antes de todos, me perdoou sem mesmo condenar. É um mistério te falar assim, mas assim caminha a humanidade.

Muitos quiseram te tomar de mim, e eu fui um deles. Muitos quiseram te afastar de mim, e eu fui o primeiro a te dizer: sai! Eu não sou um santo. Mas todos, inclusive eu, não viram os teus olhos de mulher. Bem me quer, mal me quer. Desfolhei um milhão de flores até compreender o invisível, o indivisível, e agora eu simplesmente te quero. E eu não sei o porquê, mas já não me interessa. Tua fresa é uma prensa que amassa o meu coração e extrai dele o que de bom sobrou, e eu te dou somente o que eu posso te ofertar: o sumo do meu ser. No amanhecer eu vejo as tuas asas sobre as costas, e nada mais é preciso para que eu te possa compreender. Tu és o que sempre foi, o que sempre serás. Nada no mundo será mais intenso do que o verde indefinível do teu olhar. E eu vou por eles navegar.

Amar é um verbo sem timão, e talvez por isso eu pouco o use. Mas nesta hora de extrema unção eu vou te dizer o que tu sempre quis ouvir: o amor está além do verbo, além do olhar. Ele está no horizonte dos espelhos, além do mar. Eu sou o que sempre fui e o que sempre serei. Tu és o que sempre foi e o que sempre serás. E nada no mundo será mais intenso do que o verde indivisível do teu olhar.

E eu vou por eles agora te amar. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Como eu te vejo

Te defino assim: feito um jardim. Nele há jasmins e narcizeiros, camélias e jacintos, roseiras, girassóis, tulipas e frésias, lírios e outras tantas flores que ninguém conheçe. Nem bem amanhece e tu já mostra a tua beleza, mesmo desregrada, desarrumada, mesmo com o olhar sonolento e embolorado. Pecado nos olhos e na língua, formigas cortadeiras carregando o fado de uma noite mal dormida, indormida nas aquarelas furta-cores da tua alma.

Foi assim que eu te ví: uma colméia de cores, um arco-íris multicor. Em minha íris eu fotografo a tua imagem, e recapitulo em pedaços o que tu exibe em preto e branco. Um mistério para mim em muitos campos, mas de misteriosos encantos. Um manto negro de alma em luz enegrecida pela fé e que não sabe o seu caminho, mas que precisa de carinho e orientação. Um barco sem timão levado ao sabor do vento no rumo da arrebentação. Foi bem assim que eu te ví.

Agora não. Hoje eu te vejo em tua real coloração, e entendo a dimensão de quem tu és. Atrás de ti há o teu viés, mas por vir há todo o tempo que nos resta. Nada interessa à estrada do destino que tramou o nosso encontro, apenas o que pensamos um do outro. Não interessa o que eu ví quando te olhei, apenas o que eu agora vejo: um jardim. Nele há camélias e jasmins, tulípas e narcizeiros. E uma flor que apenas eu em meu amor conheço.

Hoje eu te vejo com os olhos do coração.