quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quase setembro

Se reflete no espelho da lagoa o meu olhar. Eu vejo o céu por meus olhos, mesmo no campo, em meio a uma noite enluarada. A estrada é uma cruzada longa para quem é um andante, e não termina onde descansa o horizonte. A fonte do olhar é mais do que a água, é a alma do campo que se desencilha de mim e toma forma. A noite é um espelho de estrelas, enluarada de poncho e de geada. A lagoa reflete o meu olhar, e eu me vejo nela. Solfejos de prata e cordas de fina seda e algodão. Eu compreendo a razão de ser assim, meio louco e milongueiro, um pouco de payador e contrário aos governos, pernas de vento e mãos de laçador. Eu me vejo enfim, e me entendo diante do momento mágico do silêncio, de onde nasce a poesia e a minha inspiração.

Nada me falta. Tudo o que preciso eu encontro aqui, neste meu chão sulino. Sou paisano nascido no garrão do continente, entre fronteiros e pampeanos, índios, negros, brancos e araganos. Eu sou parte do campo e da terra, da seiva que encerra três séculos de fronteiras, mescla de pampa e de querência, de cidades e de estâncias. Eu me vejo. No espelho da lagoa descansam os meus segredos, mas nesta noite de estrelas madrugueiras eu já não durmo mais. E num verso assim já bem nos disse Aureliano.

O meu olhar afunda nas águas. A lagoa reflete a minha alma, e como uma cigarra eu canto os seus encantos. Um tempo de bonança vem surgindo, numa carreta a noite se afasta e um novo dia se aprochega. Eu o espero, madrugador e cevador, diante um fogo de chão acesso em brasas de pau ferro. O tempo anuncia setembro, e eu sinto florir em meu peito milhões de anseios farroupilhas.

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