sexta-feira, 27 de junho de 2014

O AMANHECER


Amanhecido o dia eu me disperso. O pensamento manifesto e um caminho por trilhar, o mar, o sol, a longitude e a latitude. Giro como a terra sobre o meu próprio eixo, meio dia, meia noite, a face oculta da luz e a melodia da minguante. A vazante carrega os desalinhos e os improvisos conduzem o meu destino. Eu sempre fui este arcabouço.

Nos calabouços da alma eu me acompanho. Medonho tem sido o meu sorriso na procura, e eu busco a única razão da minha loucura. Mergulhado no inquietante universo das tormentações, romper a arrebentação é a minha necessidade, superar o trauma da chegada ou da partida. Tudo sempre em mim foi uma questão de vista.

Eu sigo em frente e a poesia me acompanha. Somos dois errantes caminheiros, nem sempre juntos, por vezes amantes. Itinerantes e perdidos, se nos achamos construímos o poema. A cena deste dia se descreve em harmonia e eu caminho com alegria sobre os meus pés descalços. Amanhecido o dia eu recomeço. O trabalho da abelha é a minha inspiração.

domingo, 22 de junho de 2014

O MEIO DO CAMINHO

Estou em transe, neblinado. Avogado das causas naturais, inanimado. Do meu lado um  gato sobre um saco de batatas, o cheiro de adega e de vinho envelhecido. No improviso desta tarde a mansidão do tempo desliza numa onda mansa sobre mim e o meu espírito. Eu me sinto realizado.

Estou em evidência, concentrado. O meu verso é o reflexo de um passado iluminado, poema repassado e alterado, revisto e rarefeito. Eleito dentre os meus vertedouros mais sensíveis, imperfeito ele brota da origens de mim mesmo.  

Eu estou no meu maior afloramento. O tempo, embora leve o rio da vida, me traz maturação. Eu sou a imensidão da vida e o universo em constante floração,  um cosmos imponente e incompreensível em vertical evolução. Visível é o meu consternimento. Incontrolável e meu estado de emoção. 

Eu estou em transe, em comunhão. O poema é a razão do meu alvorecer, e eu sou o escaler levado pelo rio da poesia, conduzido ao destino incompreensível que é revel de minha própria natureza. Não procurem em mim a fidelidade da beleza, não busquem em mim um diapasão, que eu estou entre o que rege a loucura e a razão.

Eu sou o poema, a redenção.

segunda-feira, 16 de junho de 2014

A CRUZ E A ESPADA

Eu sou livre pela palavra. A poesia me liberta a alma e da asas ao meu coração numa propulsão que só aos cometas se compara. Nada me tolhe, nada venda os meus olhos ou prende a minha busca pela razão dos dias. Eu sou um homem de ciência, não de religião. Acredito na imensidão do cosmos e na teoria da relatividade, e só por isso não me convencem divindades ou crenças sem sentido. A religião faz mal ao homem e aos seus ouvidos, impede-o de superar seus horizontes.

Eu sou um poeta, não um tolo. Entendo que a finitude do homem é o seu tesouro, mas sei o quanto é difícil suportar o peso da própria existência. A minha crença está baseada na fé da natureza, nas coisas que se fazem medir, naquilo que se pode tocar. Eu sou o mar e  mesmo assim quando eu não posso explicar, ali é que reside a minha essência. A beleza da poesia e da ciência está em não encontrar a solução, mas em formular a melhor alternativa.

Eu vivo num mundo digital, entre a cruz e a espada. Vejo a vida farta de alguns e a agonia de tantos, mas o mundo sempre foi o que ele é, e isto não é culpa da fé ou dos cristãos, mas sim da natureza humana. Por isso não me repita versículos e capítulos decorados, incompreendidos e mal interpretados para justificar a minha verborragia. Hipocrisia seria culpar pastores e esquecer que o livre arbítrio foi entregue aos homens.
 
Eu sou um poeta, crítico da minha fé. Não existe censura nas rimas do meu poema.  

domingo, 1 de junho de 2014

OVERLOCK

Sobrevivi ao dia D. Desembarquei diante do fogo, exposto ao calor e à arrebentação. Na razão de tudo o único propósito foi sobreviver, pisar a terra firme, conhecer a minha nova Normandia. Por entre os mortos eu sobrevivi, por entre os feridos eu prossegui. Meu dia foi um batismo de sangue e de agonia, mas nada foi realmente uma tragédia. Sobreviver ao dia D foi a estratégia, e agora avanço em passos largos ao interior do continente.
Na vertente do meu ser existe um ponto cego. Estranho é o meu espelho, reflete o caminho desconhecido. Mas piso firme e em rota agreste eu revisito o meu objetivo. Eu já estive aqui, antes de hoje, em  outro tempo e movimento. Me são familiares os argumentos e não são estranhos os rochedos da paisagem. Depois do exílio agora eu descanso à glória do meu triunfo.
Nada está conquistado. Caminho em campos minados e fragmentados, espalhados por eles o trampe e a suástica. Mas eu vou em frente, olhos no horizonte e com a força do coração. Dimensiono a razão do continente e vislumbro um futuro de boas esperanças. Eu bem sei das tragédias que assolaram o meu passado e que ainda assombram os meus pés descalços.

Do desembarque ao ponto de encontro foram três dias, inconstantes horas de espera e de meditação. A emoção que tomou conta de mim agora quer solidificar conhecimento, aprender a usar os instrumentos de navegação. Vou para o centro, miro o coração do velho continente. Com um contingente de pequenos homens eu quero libertar o meu destino, escrever um novo livro. 

O desembarque foi meu recomeço.