quinta-feira, 27 de março de 2014

O DIA DO JUÍZO

É madrugada. O mundo dorme embalado pelo peso estelar do universo, em rotação constante. Tu dormes, e o teu corpo é um escaler num oceano de paz e calmaria, onde a vida se apruma e toma um  rumo definido, radiante, depois da tempestade. Era o que eu pensava, e juro que sim, era o que esperava. Mas nada é o que parece nesta vida efêmera e miserável: a montanha russa vive em ti e em tua alma.

Eu não quero mais a palma deste manicômio. Cômico é o meu retrato no espelho por esperar algo diferente de tua verve, inconstância vida, influenciada por anjos e demônios. No outono deste dia eu escrevo o que será o meu caminho agora: divergente, sem volta. Eu já vivi o suficiente para saber o que me espera, do que te espera, o que afinal pensei moldar e ser capaz. É inglório o meu infortúnio.

Eu me entrego. Abandono o barco como o dizes. Pouco importa, a porta da razão é a minha ciência. A vida é simples e a minha crença é justa: eu não busco um sonho na utopia, não faço do amor a hemorragia, não desintegro a minha alma numa busca sem sentido. Eu suporto a minha dor e o peso da existência, mas e tu? Pisas num chão de areia...

Eu irei romper a minha última fronteira.   

segunda-feira, 17 de março de 2014

A TEMPESTADE

Chove. De onde estou eu escuto o tilintar dos pingos no telhado. Chuva pesada, carga sobre a cidade que espreita, à sombra, o desenrolar da tempestade. Eu caminho na direção da porta, em busca da visão privilegiada: a água derramada sobre o asfalto, a grama, terra, poeira e o concreto. Como que levado o meu olhar repousa ao largo, sem um rumo definido. Eu sinto algo que transcende a natureza.

A leveza do olhar me faz cigano, andarengo de caminhos, de destinos. Um trovão repentino e logo em sequência o relâmpago, um tranco, no âmago da alma eu me conforto. Talvez, sei lá, se a teoria estiver certa eu tenha vindo da água e, em essência, nós todos sejamos água e alma. Talvez a ciência explique a sensação de acolhimento, este embalar de sons oceânicos em meus ouvidos.

Chove. A tormenta torrencia a tarde que se perdeu do sol. Eu me debruço na janela e contemplo a tempestade. Se acendem as luzes da cidade, o tempo se fecha em cor de chumbo e cinzas e outras cores que eu não sei como explicar. Eu estou de volta ao mar da minha gestação: um quase poeta, um quase louco, um menino afoito que quer voltar à infância.



domingo, 9 de março de 2014

A MADRUGADA DOS POETAS

Eu atravesso a madrugada com o coração abarrotado. Estou calado, triste, reflexivo. Apenas de improviso eu respiro e me alimento. Sustento  a tese oral da felicidade, mas a verdade é que o meu coração está triste, assentido, amortecido pelo fardo do destino. Assino embaixo de tudo o que eu  te digo mas, e daí? O que me importa saber se o sol nasce no leste? A grande peste é este poema inacabado.

Malfadado verso, eu te prescrevo! Te solfejo e te rastejo, e limo, e te cortejo; Invento um verbo solto, um verso torto, um anagrama, tudo para ver-te pronto e tu, no entanto, insiste em não se poetizar. Eu tenho ganas de jogar-te ao mar, ao sal, à aridez do fogo do deserto e do desterro, mas eu te desejo mais que tudo. Neste paradoxo impuro eu vivo em constante amor e ódio.


Eu atravesso a madrugada amargurado, os olhos estalados, a boca seca. Penso na essência das coisas naturais, no sentido simplista da vida cotidiana, no arranjo coletivo de se viver. Tudo hoje me faz sofrer e querer ser algo além de mim, assim como um herói de revistas em quadrinhos ou um cometa sem destino vagando por uma rota indefinida. A vida é a linha-dura que mostra-me a sua face inconstruida.

Desatinado verbo, outra vez eu te esconjuro! E te conjugo, e te martelo, e te atropelo e te bendigo. Eu sou o mendigo de Victor Hugo louco para roubar-te e alimentar-me. Tu, no entanto, já não me estende a mão. O meu coração queima na insana razão de destrocar-te, mas eu te desejo mais que tudo. Neste dilema inculto eu permaneço inerte, insano, afogado no pranto desta imperfeição.

Eu atravesso a madrugada com dois punhais nas mãos...

domingo, 2 de março de 2014

O AMOR E A SUA DEFINIÇÃO

O meu amor está além da madrugada, é madrilenho, brilha num céu de estrelas fugidias. Todavia sou somente eu para contê-lo, e recebê-lo, e acalmá-lo, e navegá-lo em suas maresias. Heresia seria não aceitá-lo em mim, e assim por fim deixá-lo ir embebedar-se no cosmos infinito. Não, isso seria o oitavo pecado capital.

O meu amor é intencional, carnal, abstrato. Silencioso e recatado, afoito e despudorado, suado, salivado. É ausente de afagos e acesso de fogo, afoito e desafinado. Ele está além da madrugada, distante da lua dos poetas e dos romances destroçados da literatura. Ele é um cometa incandesceste jogado numa órbita qualquer.



Quem não irá querer um amor assim, tão atraente e sedutor? Tão envolvente, encantador? Temas a dor se não o tens, procure-o, cultive-o, saboreie o seu dissabor. Aprecie a vida enquanto o amor não chega, morra à sua espera se preciso, não se atire ao precipício de um falso amor. Poucos são aqueles que o encontram.

Olhe para o céu noturno e abra os olhos, pois o amor está além da madrugada. Ele é soturno, brilha num céu de estrelas fugidias, esconde-se nas mais improváveis avenidas. Eu vou agora atirar-me nos seus braços, aproveitar do tempo que me resta, desfrutar do que de bom ele me traz. Nunca se sabe: amar é abrir uma caixa de Pandora.