sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Eu e a noite

É madrugada. Na calada da noite eu sorrateiramente escrevo, escondido das sombras e dos silêncios. Não quero acordar os grilos, os vaga-lumes, os besouros noturnos ou outros bichos de macega. Não, eu quero a noite inteira assim, somente para mim. Inquieta, misteriosa, profanamente misteriosa e sedutora. Eu quero a noite vestida de prenda, remendada pelo manto luminoso da lua, com os cabelos mergulhados no espelho prateado da lagoa.

Eu observo o ar noturno. Um vulto de cerração e a silhueta dos objetos taciturnos, fantasmas de uma noite grande em movimento. Ao relento eu tomo em mãos a minha caneta, o tinteiro, papel e peso morto e passo a descrever as formas da paisagem enluarada. É madrugada. Alta. Os galos ensaiam os primeiros cantos da manhã e eu os escuto em seus duetos. Ao relento. Em meio aos meus desassossegos.


Nada procuro. Eu apenas sinto o aroma intenso desta noite de minha vida. Uma noite enfeitiçada de poesia e de emoção, de um coração que reencontrou a sua alegria. Eu observo a noite porque a vida me jogou em seus braços, porque o sono me fugiu do corpo, porque a minha alma se embriagou de comoção. Eu escrevo os versos mais belos agora, embelezados pelo olhar da noite sobre mim, embelezados pelo amor que ela trouxe outra vez para o meu peito.

É madrugada. Eu escrevo sorrateiro os versos de um novo amor sem fim. Outra vez eu me oferendo ao olhar de uma mulher e o meu caminho se abre de novo em rumo certo. Por certo esta noite sabe bem como eu me sinto, rodando no infinito estranho de suas constelações. Eu tenho a noite. Ela me tem. Nós nos observamos em sua roda de moinho em giração.

Eu guardo a noite dentro do meu coração.
 

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