sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Dias de Chumbo

Chuva rolando nos campos desde três dias. Pranto de nuvens pesadas que descarregam o ocaso das velas, sombra sobre o mundo, no submundo do frio e da tristeza. Aspereza em tons de vinho e cor de chumbo, submundo do mundo. Estou assim, feito as águas de um poço fundo e misterioso.

Meus olhos de moço vazam a saudade e o que me invade é a sombra de uma imensa solidão. Enquanto a chuva cai dimensiono o meu destino, o sono, o sonho, o coração. A sofreguidão da tarde é um cenário de imperfeitas ilusões onde se acende uma fogueira de vaidades.

Estou cercado, ratos por todos os lados. Meu grito ninguém ouviu ou se importou. Afundo num poço de areia movediça a cada dia, e já não resisto aos meus impulsos. Estou arredio. Tardio é o meu pranto, acalanto de quem tem a alma atormentada pelo amor. A chuva cai por toda a tarde. A saudade é só mais um barco que se foi.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Recomeço

Eu procuro a luz, cristal da natureza. Eu persigo a paz, espírito alquebrado. Eu refaço um sonho, horizonte de espinhos. Meus caminhos que são viageiros diminuem a distância entre a poeira e a inquietude, e os grandes desafios se estendem por minha mão.

A razão comanda o meu sonho e a emoção será o fiel da minha balança, esperança grande que se renova em primavera. Na aquarela que o arco íris ensina tu és agora a minha vida. Tu és uma estrada repartida. Fostes de muitos, bem mais que deveria. Mas o destino só conduz para o futuro.

Eu suplanto tudo, até mesmo o pranto pelo o que você não me falou. Eu vou adiante, e te peço o mesmo. E te acredito, apesar disso. Que eu sou um rio esvaziado em seus remansos, mananciais de versos de alfazema e de fumaça que se repartem como um pão. Eu estou em comunhão.

Eu persigo o sol, raio amarelo entre os meus pés e o chão.

     

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Natal

Espero o natal que chega com o teu cheiro. Espero ensimesmado o teu olhar chegar ao meu e estou completo, realizado, badalado como os sinos de Belém. Nada além disso eu quero para mim neste natal: apenas o teu cheiro, o teu sexo, a tua alucinada forma de amar. Estou como o mar batendo nos rochedos, enredado em meio a pinheirais enfeitados de azul e de vermelho, absorvido pelo mais nobre sentimento do amor.

Eu quero de presente apenas o teu calor, nada mais de dor ou sofrimento, nada mais de pequenos desentendimentos. Eu quero o renascimento. Quero renascer em ti em cada novo amanhecer, amar o teu corpo e ser por ele amado, transportado num trenó ao paraíso. Eu escrevo de improviso com toda a força do meu coração neste natal, o primeiro, no tempo eterno de nossos sonhos viageiros. Eu não quero de presentes chocolates ou brinquedos, eu quero apenas o teu cheiro.



Teus olhos cintilantes enfeitam a minha árvore de natal e nele todo o mal torna-se bem, todo o céu torna-se um sol, toda a luz um farol. A minha confiança aumenta a cada dia e em ti eu deposito a minha esperança, a minha alma, o meu sincero coração. Eu quero apenas o teu calor neste natal, enrolado num vestido verde, enredado de fitas e com bordas de cetim. Tu és e serás sempre o meu maior presente.

Eu escrevo uma carta ao papai noel pois que ele existe. Eu tenho andado triste, mas quando tu chegas meu espírito se enche de alegria. Eu quero a alforria para a minha liberdade e para sempre em mim a tua mocidade e o teu desejo. Meu orgulho impede de dizer-te tudo o que vejo, mas mesmo ele não esconde mais o meu segredo, aquilo o que eu guardo comigo e que deixo para ti como um presente, o que deveria ser dito com uma voz de anjo: que eu te amo.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Inferno

Arremessado eu fui ao precipício. Lama negra e cheiro forte de enxofre. Mas estou vivo e, rastejante, eu sobrevivo dentro de minha alma. Me recupero, reestruturando a minha visão e o meu encanto, manto de veludo azul que não se gasta. Abandono a casta em que eu pensei ser rei, pois lá não estão mais meus amigos, nem nunca estiveram. E os que eu pensei que o fossem, nunca foram. Amarguro a mágoa de saber que eu estou só, e não por acaso que eu me sinto libertado. Meu fardo é pesado, mas eu posso carregá-lo. Amasso um grão de areia em minha boca e sobrevivo assim, entre a poeira e o deserto.
É certo que eu vou sobreviver. O inferno é o paraíso dos impuros, mas eu sou mais puro do que impuro, mundano mas com muito de humano, verdadeiro, embora eu já tenha me perdido. Arremessado eu fui ao precipício, no imprevisível destino do viver. Mas estou renascendo, renascido em tudo aquilo que perdi e que já não me faz falta. Eu não olho para trás. Eu não quero mais voltar. Eu quero agora me jogar na vida que amanhece, no arrebol de um sonho que se forma e não padece, que gira e se agiganta em mim. Eu parto do fim, e recomeço.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Quando um espelho se quebra

Quando um espelho se quebra são sete anos de azar. Um gato tem sete vidas, mas o amor, quantas terá? Caminho sobre o fio de uma navalha, equilibrado entre o mar e o abismo. Minha alma já se jogou nele, mas o meu corpo sobrevive. Até onde resistir? Qual é o ponto de equilíbrio? Eu busco na miragem dos teus olhos um oásis de verdade em meio a imensidão de areia que o vento agora me traz. Meus pés não estão firmes, mas eu ainda quero caminhar.

Quando um espelho se quebra é difícil concertar. A imagem refletida traz o ar da insegurança, e as lembranças se reproduzem em cores translúcidas e em fragmentos. Meu canto é um lamento triste, embalado pela dor que em mim resiste e não se abranda. Por onde anda este amor que me maltrata? Que me afasta dele a cada dia em repetidas circunstâncias inexatas? Eu reconsidero tudo e no seu tempo, mas as feridas vão se tornando mais fundas e compactas.

Eu olho no vidro do espelho e vejo a minha face mutilada. Procuro em meio aos estilhaços o que sobrou de mim, mas tudo o que encontro são os fragmentos de um poema. Um poema triste, arredio, iluminado. Com ele eu junto os cacos do espelho e tento me alegrar, mas eu não sou capaz de o concluir. Eu preciso de ajuda, da tua ajuda, pois que sozinho eu não vou superar mais esta dor. O amor é uma faca que atravessa o peito e nos conclama. O amor é uma espada que nos mata.

Quando um espelho se quebra a fé é a única imagem que nos resta.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Incêndio

Eu te quero. Espero a tarde mormacenta ensopado de suor com o meu desejo. Ensejo em ver-te em meu portão em tons de verde, vestida de rendas e cetim, por baixo apenas um meio fio de linho. O teu corpo esguio desliza em meio à curva de onde desces para chegar ao meu campo de visão. Eu te espero na janela, com o meu sexo entumescido de tesão, com a minha boca seca de emoção, pressão e temperatura alterados. Um ser completamente alucinado e atordoado. Tu chegas e o teu sorriso me comove. Beijo a tua boca e te carrego para o quarto. Tu me rejeitas, diz-me que eu sou um bruto, impuro, descelestial. Bestial seria o termo, mas tu não o conheces, apenas cede aos meus apelos. Eu te seguro pelas coxas, te devoro com o meu lábio enfurecido, mordo a tua língua e agarro as tuas ancas. Esmago os teus ossos e os meus dedos penetram nas tuas brechas conhecidas. Jogo-te na cama. Avessa a uma dama tu me abre as pernas, despudorada. Eu arranco a tua saia. A tua calcinha exala um cheiro que preenche as minhas narinas. Eu sou um animal enfurecido, olhos de vidro, desprovido de carinho e de quaisquer outros sentimentos. Procuro apenas o teu sexo, desprovido de qualquer razão ou romantismo. Tu me sugas enquanto eu engulo os teus mamilos, veludo com o gosto de mirtilos. Eu te fodo feito um louco, de maneira colossal e triunfal. Tu és a minha princesa, a musa de todos os sexos: oral, anal e vaginal. O teu corpo jovem gosta da dor e eu te proporciono o meu sal. Desejo é o que verte dos teus poros. Eu incendeio uma fogueira que se alastra sem fronteira, fogo de flor, lenha de amor que queima ainda que verde. Tu és assim: tens do amor a mais intensa sede, o mais intenso desejo em floração. Eu nunca te imaginei dessa maneira.

Não há fogo maior que o do inferno. Não há incêndio maior que o do teu corpo. 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Rio Santa Maria

Sinto o sol ao queimar meus pés em tua areia quente. Caminho em frente, na busca das tuas águas corredeiras e turvas, escuras nos remansos mais profundos. Sou parte do teu leito, embora judiado, cansado como tu de peregrinar, mas sem nunca desistir. No ir e vir dos teus caminhos eu sou moço, viço de trevos. No espelho das tuas águas eu reencontro a minha alma. Mergulho e nos amamos outra vez.

Bebo a foz dos teus carinhos e tu me dás o peixe para o meu alimento. O vinho eu bebo da paisagem que te adorna, o cheiro do vento em maresia, o cantar das cotovias e de tantos outros pássaros. Eu jogo em ti o meu corpo cansado e deixo-me levar em alegria. Tu és o rio da minha vida, o que adotei, àquele em que eu amarrei o meu destino, um rio de águas santas, cristalinas.


Minha alma é de rio, e tu és a alma das águas. Somos dois caminheiros na busca dos seus destinos, assolhados pelo tempo. Nada de lamentos, mas muito de ensinamentos. Lendas e histórias nos cercam, e quando a noite estende a sua esteira prateada, por sobre o teu leito eu bebo a lua em tuas margens, na concha das mãos, no universo perdido de alguma constelação que se afundou em ti.

Estou em pedaços, repartido, livre e solto para em tuas águas flutuar. Tranquilamente tu caminhas para o mar, deslizando no silêncio das horas que são, agora, um escaler. Eu me deixo levar. Renascido estarei ao levantar de ti, rebatizado numa oração de natureza. Eu sou um barco a deslizar por tuas águas, o oco do mundo é o teu chão. Nós somos dois peregrinos em comunhão.