sexta-feira, 31 de agosto de 2012

O sono dos anjos

Dorme em minha cama um anjo torto. Eu a contemplo em toda a minha madrugada. Na estrada da vida isto é, com certeza, uma surpresa. Eu me calo para não espantar seu lindo sono. No abandono de tudo eu a contemplo, com medo de que ela võe para o céu de estrelas. Eu a descrevo em absoluta e total contemplação, tentando desvendar-lhe os seus segredos. Mas não há segredos para os anjos. Eu a contemplo em sua face. Acaricio os seus cabelos, toco em suas roupas. Sou tentado a beijar sua boca, e um fogo intenso se derrama sobre o leito. Eu retrocedo, que um anjo tem lá suas artimanhas.

Qual é o sexo dos anjos? Tocá-la eu não me atrevo, não enquanto é bela a madrugada. Ela dorme, indiferente a mim e aos meus receios. Ao tempo, indiferente. Indiferente a noite que ela guarda. Será ela o meu anjo da guarda? Cansada está por certo esta mocinha, mas como saber? Tocá-la eu não me atrevo, não enquanto é bela a madrugada.

Ela dorme em minha cama feito um anjo. Eu sou um poeta louco, insone e sonhador.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Noturno

Escuro. Eu nada vejo. Apedrejo um véu de sereno e madrugada. Uma lágrima escorre dos meus olhos, e eu a percebo. Eu a seco, sinto o sal da sua mágoa, e sigo em frente. Digo para quem a entende que eu errei, e reconheço. É difícil reconhecer um erro, mas me é digno. Eu glorifico o meu pecado e me liberto. Ainda é escuro, e eu não te vejo. A luz é algo que vampiros não suportam, e eu trago alho, cruzes e uma bala de prata em meus pertences.

Escuro. Eu escuto o silêncio e te procuro. A tua tristeza é esta mágoa que eu causei. Só eu entendo o que causei. Mas eu compreendo que te quero como a um queijo suiço. Eu sou um rato entorpecido que não consegue carregar o que ganhou da vida, e sempre volto ao calabouço dos esgotos. Eu te venero. Velo o teu sono a noite inteira. No escuro da noite eu te procuro, mas tu dormes, longe, numa casa antiga, numa cama larga e solitária, esvaziada por minhas infiéis diossincrassias.

Noturno. Eu me transmudo. Sou um lobo solitário uviando para a lua. Tu choras - nua - ferida pela ausência das palavras. Eu me torturo. Escrevo versos duros num poema sem sentido e compaixão, e o amor eu já não sei simplificar. Talvez eu já não saiba mais amar.

Eu ainda te procuro.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Quase setembro

Se reflete no espelho da lagoa o meu olhar. Eu vejo o céu por meus olhos, mesmo no campo, em meio a uma noite enluarada. A estrada é uma cruzada longa para quem é um andante, e não termina onde descansa o horizonte. A fonte do olhar é mais do que a água, é a alma do campo que se desencilha de mim e toma forma. A noite é um espelho de estrelas, enluarada de poncho e de geada. A lagoa reflete o meu olhar, e eu me vejo nela. Solfejos de prata e cordas de fina seda e algodão. Eu compreendo a razão de ser assim, meio louco e milongueiro, um pouco de payador e contrário aos governos, pernas de vento e mãos de laçador. Eu me vejo enfim, e me entendo diante do momento mágico do silêncio, de onde nasce a poesia e a minha inspiração.

Nada me falta. Tudo o que preciso eu encontro aqui, neste meu chão sulino. Sou paisano nascido no garrão do continente, entre fronteiros e pampeanos, índios, negros, brancos e araganos. Eu sou parte do campo e da terra, da seiva que encerra três séculos de fronteiras, mescla de pampa e de querência, de cidades e de estâncias. Eu me vejo. No espelho da lagoa descansam os meus segredos, mas nesta noite de estrelas madrugueiras eu já não durmo mais. E num verso assim já bem nos disse Aureliano.

O meu olhar afunda nas águas. A lagoa reflete a minha alma, e como uma cigarra eu canto os seus encantos. Um tempo de bonança vem surgindo, numa carreta a noite se afasta e um novo dia se aprochega. Eu o espero, madrugador e cevador, diante um fogo de chão acesso em brasas de pau ferro. O tempo anuncia setembro, e eu sinto florir em meu peito milhões de anseios farroupilhas.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

A espada do destino

Enquanto os cães ladram, a caravana passa. Emprestada é a espada que eu empunho, e com ela eu afio os meus apreços. Desprezo o lixo da hipocrisia e liberto da prisão pássaros presos. No dia do juízo eu me defendo, mas não para justificar-me de onde errei. Eu pago por mim e os meus defeitos, por meus desejos traiçoeiros. Eu recomeço. A vida é um atropelo e poucos são os caminhos que me absorvem. Escuto rumores e palavras em choque, pelas costas, nas sombras. Mas eu não tive medo de seguir os meus caminhos, então não fale mais de mim. Segue o teu destino. A espada que eu empunho é emprestada, e eu não a uso para justificar onde eu errei. Eu recomeço.

Eu só defendo o que quero. Não me entendas mal, afinal somos poetas. No samba das canções que nos inquietam está o paraíso, e eu não preciso de um rival, mas de um amigo. Eu não compartilho e nem divido o teu espaço, ele é somente teu. No coração de uma mulher há espaços para amigos e amantes, para loucos e confidentes, mas também para maçãs e serpentes. Somos iguais, muito embora diferentes, pois amamos o mesmo coração. Eu não escreverei outra canção igual a esta. A festa acaba aqui contra os meus versos, e o meu silêncio será a tua paz ou o teu ressentimento. Mas não te afastes. Deixa a coragem e a vertigem se pesarem. Deixa de lado o orgulho besta que sempre nos empresta. O que é certo? O que é errado? Somente a poesia é o que interessa.

Chegará o dia em que tudo vai estar posto e encerrado, e seremos apenas lembranças esquecidas num retrato. E nada mais.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Partilhamento

Estou preciso. Meu alvo foi atingido a contento, e eu me contento com o pouco que me cerca: uma cama usada de casal, dois travesseiros de astronauta, um quarto em semi-brilho, duas lâmpadas econômicas de duzentos watts, um cusco da raça pequinês, fiel e companheiro. Eis o que me toca na partilha dos anos que se foram nesta cachoeira que tragou barba, alma e cabelos. Estou no centro, ponteiros acertados, esperando o bonde do destino me levar. Vou embarcar com o pé direito, pé no estribo, bem montado e de à cavalo. Cavalo de ferro que bebe vapor e carvão. Cavalo e vagão de passageiros.

Estou exato. Incisivo. Me permito ver na janela jovens e donzelas saltitantes, colegiais e serviçais em desvario. Sou um rio no tempo. Me contenho para não me consumir em devaneios. Estou ad nuto, absorto em meus novos sonhos e objetivos, obstinado por seus caminhos passageiros. Sou o gelo dos invernos e a manhã dos calendários. O tempo é o meu canário belga cantador. Persigo um novo infinito além da dor dos mares que me arrastam em correntes marinhas falciformes. Sou um cruzador de caminhos, um relógio suiço acertado em seus ponteiros. Eu não estou parado. Eu estou preciso. Estou exato.

Eu caminho pleno na tua direção.

 

sábado, 25 de agosto de 2012

Para não dizer do amor

 Eu ando para frente. Acelero. Me desgoverno do destino e não tenho medo de fazer valer minhas vontades. Sou uma imensidade e fortaleza. Sou a ferramenta da minha construção. Sou a obra prima da minha criação. Eu escrevo sobre mim agora, mas para ti. Eu escrevo para ti para que entendas o que sobrou de mim, com o pouco que fiquei o com quem estou. Poucos foram os que ficaram comigo, mas tu ficou. Poucos foram os que não me condenaram, mas tu, antes de todos, me perdoou sem mesmo condenar. É um mistério te falar assim, mas assim caminha a humanidade.

Muitos quiseram te tomar de mim, e eu fui um deles. Muitos quiseram te afastar de mim, e eu fui o primeiro a te dizer: sai! Eu não sou um santo. Mas todos, inclusive eu, não viram os teus olhos de mulher. Bem me quer, mal me quer. Desfolhei um milhão de flores até compreender o invisível, o indivisível, e agora eu simplesmente te quero. E eu não sei o porquê, mas já não me interessa. Tua fresa é uma prensa que amassa o meu coração e extrai dele o que de bom sobrou, e eu te dou somente o que eu posso te ofertar: o sumo do meu ser. No amanhecer eu vejo as tuas asas sobre as costas, e nada mais é preciso para que eu te possa compreender. Tu és o que sempre foi, o que sempre serás. Nada no mundo será mais intenso do que o verde indefinível do teu olhar. E eu vou por eles navegar.

Amar é um verbo sem timão, e talvez por isso eu pouco o use. Mas nesta hora de extrema unção eu vou te dizer o que tu sempre quis ouvir: o amor está além do verbo, além do olhar. Ele está no horizonte dos espelhos, além do mar. Eu sou o que sempre fui e o que sempre serei. Tu és o que sempre foi e o que sempre serás. E nada no mundo será mais intenso do que o verde indivisível do teu olhar.

E eu vou por eles agora te amar. 

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Como eu te vejo

Te defino assim: feito um jardim. Nele há jasmins e narcizeiros, camélias e jacintos, roseiras, girassóis, tulipas e frésias, lírios e outras tantas flores que ninguém conheçe. Nem bem amanhece e tu já mostra a tua beleza, mesmo desregrada, desarrumada, mesmo com o olhar sonolento e embolorado. Pecado nos olhos e na língua, formigas cortadeiras carregando o fado de uma noite mal dormida, indormida nas aquarelas furta-cores da tua alma.

Foi assim que eu te ví: uma colméia de cores, um arco-íris multicor. Em minha íris eu fotografo a tua imagem, e recapitulo em pedaços o que tu exibe em preto e branco. Um mistério para mim em muitos campos, mas de misteriosos encantos. Um manto negro de alma em luz enegrecida pela fé e que não sabe o seu caminho, mas que precisa de carinho e orientação. Um barco sem timão levado ao sabor do vento no rumo da arrebentação. Foi bem assim que eu te ví.

Agora não. Hoje eu te vejo em tua real coloração, e entendo a dimensão de quem tu és. Atrás de ti há o teu viés, mas por vir há todo o tempo que nos resta. Nada interessa à estrada do destino que tramou o nosso encontro, apenas o que pensamos um do outro. Não interessa o que eu ví quando te olhei, apenas o que eu agora vejo: um jardim. Nele há camélias e jasmins, tulípas e narcizeiros. E uma flor que apenas eu em meu amor conheço.

Hoje eu te vejo com os olhos do coração.


    

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Primaveril

Numa manhã de primavera. Assim eu te espero no tempo, ao relento, sob um céu de estrelas prateadas. Estou germinado, sofrendo uma metamorfose constante, me tornando um novo ser poético. Eu não penso no passado, nas águas que se foram, nem nos sonhos que deixei pra trás. Eu te espero em uma nova manhã de primavera. Semeio sementes boas e de bons frutos, pois o tempo se encarregará do resto. Eu sei o que queres e sei o que quero. Eu apenas te espero.

Nesta manhã tu vens vestida para mim, com flores no cabelo e pelas mãos. Tu conduz-me pela mão, e eu te recebo. E nós somos um novo tempo, amadurado. Teus cabelos são girassóis em cachos, crisântemos amarelados, um campo vasto de flores de algodão. Eu te percebo. Tu vens vestida para mim, e eu enfim te estendo a mão.


Teu rosto celestial e angelical não mais escondo, nem mais de mim, nem do verão. Tu és do meu verso agora o meu refrão, a rima rica que eu encontrei na estrela D`alva. Uma jóia rara como já disseram para mim. Enfim, depois do fim há um recomeço, e eu por fim te abro as portas do meu coração. Eu já não tenho razão para ter medo. Dos teus segredos eu já sei o que me basta.

Por entre as flores tu agora és a minha flor, e eu não irei te dividir com mais ninguém. Eu serei o teu senhor e tu serás a minha dama, e nada no mundo será capaz de nos impor. Seremos asas de condor sobre o destino, e escreveremos juntos, desse amor, a bela história. Amor de glórias, amor de sonhos e quimeras, amor de primavera. Por entre as flores tu és agora a minha flor. E para ti estão abertas as portas do meu coração.

Entre, por favor. Entre, sem bater.

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Poema Luminoso

Iluminado poema. Luminoso poema. Radioso. Essência de luz. De tanta luz que não o compreendo em sua essência, nem em sua dimensão. É o maior dos versos de um poeta, o que se conduz e se destrói. Suas formas são basílicas construídas pela fé, mas misteriosas. Eu preciso vê-lo, tocá-lo, mas bem aventurados são àqueles que mesmo sem ver, o percebem. E o compreendem. E o tocam na sua cor âmbar. Iluminado poema. Radioso de Luz. Luminoso. Eu o queria, mas não posso tê-lo. Ele é mais terno do que a água, mais puro do que eu. Ele é o sumo da montanha da poesia a qual eu escalo todo o dia mas que, como Sísifo em sua tragédia grega, nunca alcanço ao topo. E sou apenas mais um dos alpinistas que conquistam a base, mas nunca a glória de um verso iluminado. Eu o queria, mas me contento em conhecê-lo.

Por vezes eu encontro raios de luz em meus caminhos, e me emociono. Eu vejo este poema toda a noite em meio aos sonhos, e sonho com o dia em que ele virá a mim, pois um poema assim escolhe o seu dono, nunca o contrário. E mesmo a ele, diante dele tudo é um corolário. Um rosário de aversões e ascenções. Um sol que brilha aos homens, indiferente. A alma humana é o seu presente, e é a ela que ele fala. Eu o queria, mas me contento em conhecê-lo. Ele não caberia em minhas mãos.

Iluminado poema. Radioso. Essência de mim.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Versos ao teu sono de pedra

São nove horas da manhã, e eu ainda te espero. Eu já te disse várias vezes que não, mas torno a te esperar. Tu dormes, por certo, no sono grande das manhãs da tua alma. Eu olho o relógio, me impaciento, quase que te odeio por final. Mas não há mal que sempre dure, e ele em mim nem chega a se assentar. Me convenço de que tu vais te acordar, embora eu já saiba que não vais. Eu olho o relógio. São nove e cinco da manhã. Eu conto as horas desde às seis para este encontro. Eu ainda te espero.

O tempo é um calabouço e eu estou preso nele. Correntes se arrastam nas celas ao lado, e da janela a luz da esperança vai se apagando, sumindo assim na curvatura do horizonte. A terra é redonda por certo, o horizonte é a resposta. Mas não responde a minha: onde estás? Por certo dormes no sono grande das manhãs da tua alma, em meio a sonhos belos e trigueiros, em meio a trigais e canaviais. Eu já te disse várias vezes que não, mas aqui estou, de novo a te esperar. Eu ainda guardo uma esperança.


Eu te chamo aos quatro ventos, tu não ouves? Minha alma é um poço de ansiedade, e a mocidade me transmuda. Eu não gosto quando te encontro muda em meus ouvidos, quando não sei de teus caminhos. A paciência é um espinilho que me espeta, e eu não consigo mais apenas te esperar. Onde está Bin Laden para te acordar? Preciso de um homem bomba, de uma banda, ou mesmo de uma pequena moto-serra. Eu perco o meio fio da esperança e o meu dia já começa assim, despedaçado. Eu ligo o carro. Concentrado é o meu olhar sobre o relógio.

Perde-se o tempo que passou, não volta mais. Eu estive contigo para estar contigo, mas perdemos o tempo que passou. Tu dormes, por certo, no sono justo das manhãs da tua alma. Moinhos gigantes embalam o teu sono, e eu nunca serei um Dom Quixote. É inglória a luta que eu travo contra os teus moinhos. São nove e meia da manhã , e eu bebo um café na esquina de uma rua solitária da cidade. Sozinho. Entristecido, sabedor do amor que eu deixei de te entregar. Este que eu tenho, agora, embrulhado em minhas mãos.

Tu não o queres?

domingo, 19 de agosto de 2012

Reflexões sobre o amor

Eu falo para ti: não existem vitórias no amor, e nem derrotas. Não existe lógica. Não procures compreender o coração, cercá-lo de razões e de conselhos, jamais tente prendê-lo. Quem ama não espera o amor de volta. Dele não espere recompensas. Não procures compreender o ser amado, não arranques dele o teu olhar. Liberte-o pois sim, mesmo que te custe a própria alma. Toda a entonação diferente disso será posse, sentimento menor. Quem ama não espera amor de volta.

Eu te digo: não existe lógica. Os dias se suscedem em fascinação constante e nada faz real sentido. Há que se mudar a própria vida para se viver o amor, e ele não escolhe os seus atores. Não se pode ser indiferente diante dele, mas não se pode compreendê-lo. O amor é um sol que queima pelo olhar, então jamais sequer tente tocá-lo. Não existem vencedores no amor. Nem derrotados.



Eu te escrevo: não alimentes em tí o falso amor, o revés do amor e a sua destruidora força. Não vale a pena. Os dias se sucedem em fascinação constante, e nada é realmente tudo o que pensamos. Não há lógica. Sintas o amor em suas formas, acolha-o em teu jardim, cultive o que de bom ele te traz. Não alimentes o revés do amor e sua sufocante forca.

Eu te aconselho: não arranques deste amor o teu olhar. Não fiques só com a dor que te arrebenta, há várias maneiras de se amar. Liberte-se, mesmo que te custe a própria alma. Ninguém te pede que te afastes da tua amada, há várias maneiras de se amar. Veja: não existe lógica. Não procures compreender o teu amor, não tentes cerceá-lo. Acolha-o pois sim em teu jardim, cultive apenas o que de bom ele te traz. Quem ama não espera amor de volta.
   

sábado, 18 de agosto de 2012

O rio corria tranquilo ao lado do lugar em que te amei. Rio de pedra, rio de cerro, rio de águas corredeiras. Misteriosa era a mata virgem que o cercava, mas mais misteriosos eram os teus seios. Um veio de terra concretada, e nos olhos apenas o sabor da madrugada. Cheiro de mato, cheiro de terra, o cheiro do desejo. Eu fico assim quando te vejo, desejoso e arbitrário, tirano dos meus próprios pensamentos. O rio corria tranquilo e indiferente no lugar em que te amei.

A maresia das águas embalou o nosso encontro. Sons de cascata e nada mais, nem mesmo o som dos grilos em coral. Uma noite de vento morno e de suaves primaveras, assim como o néctar das flores florescidas. Deitados sob um céu de estrelas mil, duas caíram sobre ti. Estrelas cadentes. Mas para mim me bastava o teu olhar. Com destino ao mar as águas caminhavam e cantavam, cantando uma canção aos cerros. Eu caminhava para ti. Eu era o guardião da mata virgem, o Currupira da vertigem, e meus pés não me afastavam do lugar. 

Tudo foi belo e torto, ambíguo e pueril. Um sol de abril a iluminar os nossos corpos. Tu eras a bela da noite, em teu rosto os ares de Nefertiti, mas os açoites de Afrodite. Me amou como poucas vezes eu fui amado um dia, e eu me deixei levar por tuas águas feito o rio que serpenteava os cerros, feito as águas que cantavam o lugar. Indiferente a tudo eu me entreguei a ti. Indiferente, tu a mim. E tudo foi belo e torto, ambíguo e pueril. Deitados sob um céu de estrelas mil, duas caíram sobre ti. Estrelas cadentes. Mas para mim bastou a noite pra te amar.

A maresia das águas embalou o nosso encontro.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Escrevo para o sono que se foi. Um sonho bom me despertou e eu enfrento agora a minha dura realidade: rosto inchado, olhos divagados, corpo demolido. Perdido de minha alma que ficou por lá. Me alimento. Bebo água e vinho e um pouco de veneno. Procuro um espelho e olho no vazio. Alí está alguém que eu não conheço, despenteado, desregrado, um pedaço do destino em descaminho.

Me relato. Cobro os meus pecados. A insônia é um mal que eu não combato, pois dela necessito. Mas, acordar sozinho assim, será preciso? Quem eu quero não me quer, e quem me quer é um abajur. Eu escrevo para o sono que se foi. Ele é como um astronauta que procura a via láctea, perdido na madrugada que eu elejo agora como a minha namorada. É ela que vai amar-me nestas horas, é ela que vai redimir-me dos pecados.



Tomo um banho e me perfumo para a noite que virá: horas de pensamentos esquerdistas e idéias tantas para se fazer uma revolução. De Stalin a Fidel eu reconheço o mundo, mas acabo sempre no submundo capitalista. Ser ativista cansa muito, muito embora hoje em dia seja a moda. Mas eu uso botas, não confunda a minha opinião. Flerto com a noite por devoção, e sou católico não pela fé, mas pela crença.

Eu faço festa para o sono que se foi. Visto-me de areia e vou semear o meu deserto, criar um oásis para aportar a minha alma. A cigarra vai trazer de volta o sono quando o sol surgir, mas até la eu irei me deliciar com a madrugada. E faremos amor à beira das estradas, mas também muitos poemas. E faremos cantilenas para os grilos e cantaremos para o infinito das estrelas. Seremos o pó e a poeira.   

Eu hoje escrevo para a minha insônia. 

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Impura é a minha poesia, carregada de malícia e de desejo. O que vejo diante do papel são leves seios, bicos que quase furam e alfinetam o meu olhar. Eu paro para vê-los: são pequenos e volumosos, róseos e macios. Eu posso sentí-los. Impura é a minha poesia que me permite vê-los, que liberta os alvéolos do meu pulmão asfixiado. Eu limo os versos que ela me entrega desnuda, e dou forma aos seus novelos.

Impura é a minha poesia, vestida de véu, grinalda e de cetim. Flor de alecrim que semeou meus velhos dias, e hoje colhe o meu amor. Condor que voa sobre os Andes da minha alma, sedutora e sorrateira, à espreita de me ver sofrer sem o seu calor. Impura é a minha poesia que se permite ser traída, e se mistura ao vinho das minhas fantasias.


Impuros são também os versos da minha poesia, absortos de nexo e de sexo. Anexos aos vestígios da civilização. São impuros e mundanos, libertinos e profanos, por vezes atraentes. São sementes do mal que fazem bem, e bem assim são construídos: tijolos por tijolos, ofício por ofício. Impuros são os versos da minha poesia. Dizem o que querem, o que sentem, escrevem o que de mais interior existe em mim.

Impuro eu sou com a minha poesia. Impertinente e adjacente, extremo do oriente em desapego. Sou com ela um ato obceno, obscuro, nú em cada verso concluído. Impuro mesmo que vestido, atraído pelo afã do pensamento. Impuro eu sou com a minha poesia, pois a amo todo o dia e por toda a madrugada, com a alma abaulada e com toda a minha comoção. Somos amantes revelados, encarnados na total destinação, fascinados pelo luar e pelo rol que define a minha mais completa intuição.

Somos impuros, eu e a minha poesia. Libertinos e profanos, avessos aos vestígios da razão.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Grampola o seu nome. Meretriz. Rosto pintado e cabelo emprestado. Falso? Batom vermelho e boca de veludo. Contudo algo de moçoila e de donzela, ou o que sobrou. Olhar fatal e natural, rápido como o vôo da perdiz. Corpo delineado pela roupa, provocante pelo todo. Grampola o seu nome. Flor de lis.

Pergunto-lhe quanto. Quanto? Levanta a mini-saia, ergue as pernas e se insinua. Então me diz: "não sou da vida, embora meretriz". Sinto a sua boca em minha boca, os seus lábios colorídos, a saliva de um beijo contigo. Meus olhos devoram por instinto, comem pelo olhar. No seu olhar eu também vejo o desejo, a paixão louca. A porta se abre e eu escuto a sua voz: "eu não beijo na boca."



Grampola o seu nome. Meretriz. Ela bate-me no rosto. Beija o meu pescoço. Virílhas. Abdômen. Suga tudo o que encontra. Eu sou uma presa em suas garras, seduzido em sua beleza, preso por sua teia. O total prazer é a minha condenação. A madrugada começa mas não termina a sedução. Ele me leva pela mão e diz: "deita". Eu obedeço. Se o céu existe - e existe - ele vive alí em sua buceta.

Tento beijá-la, mas ela esconde a sua alma. Toca-me como a uma cítara, zumbe em meus ouvidos. Eu ouço apenas os seus sussuros e gemidos. Eu não gozo. Ela goza, depois desaba o seu corpo em mim e ainda vestido. Respiração arfada, olhar de gelo, mas não cumprido o seu serviço. Fica de quatro e me convida. Seu olhar é um sal de rímel já escorrido. Pergunto-lhe onde. Onde? Eu não resisto. Me entrego por completo ao seu delírio.

Grampola: o seu nome. Grampola: meretriz.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

O que acontece quando dois sóis se chocam? Uma explosão. Sim, mas isso é só o começo. Depois de tudo vem o silêncio e uma vasta escuridão, sons estremecidos, fragmentos nunca vistos, pedaços de dois mundos em demolição. Nada pode resistir a comoção das partículas, a desfragmentação do ar, ao pó supremo indivisível. A explosão é só o começo. Tudo o que vem depois tem um preço, e a força de tudo é o arremesso de cometas pelo espaço sideral.

Nós fomos dois sóis que colidiram. Duas vidas que se desintegraram do dia para a noite numa explosão anunciada. A poeira das estrelas é o fascínio que restou desta jornada, mas é também muito de boas e de saudáveis risadas. Eu não sei o que aconteceu. Eu busco apenas um espaço do que tive e que foi meu para que eu possa reconstruir meu universo. Tu eras o verso mais bonito de todos os meus versos e, de certa forma, ainda o és. Eu vejo agora que a vida nem sempre é bela, mas ela deve prosseguir. Eu também não entendo qual foi o destino que não nos fez eternos, mas eu quero brindar nos teus olhos por tudo aquilo o que sobrou, e pela alma de tudo o que de bom nós dois vivemos.

Quando dois sóis se chocam numa colisão inevitável, a explosão deve apontar um recomeço.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Explícito era o céu: desnudado de beleza. Relâmpagos e trovões cruzados numa tempestade de verão. Explícito era o cenário: de pecado e de incerteza. O perígo constante rondando a natureza da genética, mas, e se não o fosse, teria graça? Teus olhos por sí dizem que não.

Explícito era o teu corpo: nú, exposto e aberto por meu sexo. De costas para mim tu fostes minha, e eu fui o teu senhor. Teus cabelos cacheados exalavam estranho odor, e em suor os nossos corpos não viam a chuva que caía, nem o barro em que pisavam, e nem o amor que florescia. Explícita era a tua alegria. Explícita era a força com a qual eu te colhia. Explícito era o que você me pedia.


Explícito foi o que eu quis e te exigi. E eu não te fiz mulher, nem mesmo alí. E num revés de fúria eu te amei em minha boca, e tu gozou por minha boca, e de tua boca foi explícito o que eu ouvi. Pois eu nunca te vi como menina, e nem o quis. Que tu és uma mulher por sobre mim, e sobre ti eu só compreendo os meus instintos. 

Explícito foi amar-te sobre a chuva, num céu de estrelas em fuga, de relâmpagos, trovões e tempestades. Explícito foi amar-te em todas as portas, de todas as formas, sem o vício do que é certo e o que é errado. Foi explícito mas não foi pecado. Foi intenso e não foi recato. Foi selvagem mas também foi delicado. Tu não és um anjo. Eu não te vejo assim. Eu te vejo como a mulher que tu és em mim.

Explícito foi o que eu quis e te exigi. Explícito foi o que da tua boca eu ouvi.  

domingo, 12 de agosto de 2012

Estivado. Morno. Avassalador. Assim é o poema construído. Caído. Lúcido. Esquizofrênico. Anêmico em sua beleza de sal branco e pureza de veneno. Um parapeito onde se jogam os loucos de todo o gênero. Assim é o poema construído. Eu não me contento com as suas garras. Agarro a caneta e risco um por um os seus sonhos luzidios. Ledo engano: ele apenas me usa em seus arranjos. E eu destruo os mais belos versos que ele guarda. Ledo engano.

Teus Cabelos são assim como o poema: estivados. Construídos em cachos desregrados, esverdeados pelas mechas do olhar. O teu veneno é o olhar. Branco de sal mas desafeito de pureza, caído em lucidez por boas doses de loucura. Nele também se jogam loucos de todo o gênero. Mas como ao poema eu não te vejo: o teu rosto é um gracejo que me traz a inconfiança, e eu não aceito as tuas garras: agarro-te com os meus braços e te liberto da razão. Ledo engano: eu sei bem o que procuro. Tu sabes bem o que me escondes. Morno é apenas o sentido das coisas num quarto escuro. Não quero que tu me use em teus arranjos, nem que me esconda em teus segredos. Na minha  falta, sinta o poema. Não destrua os mais belos versos que ele guarda.

É chegada a hora do amor se descobrir.

sábado, 11 de agosto de 2012

Estou no campo. Meu pranto seca na milonga que o vento traz. Uma milonga de arame, formada num alambrado antigo, perdido em um fundo de campo esquecido dos homens. Gado e Cavalo, bicho de mato e de macega, todos eles escutam o seu bordão. Meu coração sorve um mate topetudo ao ver a paisagem do pampa, e de onde estou eu vejo a estampa nativa do primitivo Rio Grande. Estou Gaúcho, mais ainda do que quando nasci. Aqui onde me encontro eu comungo com o minuano, e ouço os seus lamentos; Escuto os grilos e os seus concertos, e a alma campesina da querência se revela para mim. Nada tem fim no horizonte diante dos meus olhos, e neles eu bebo da saudade e da distância. Minhas ânsias se dissipam na beleza da paisagem que me prende o olhar, e eu sou o mar sobre as coxilhas.



Eu sou o campo. Sou cada centímetro da terra que gerou meu sangue. Nada me prende agora, nada me impede de voar. E eu vou alçar vôo para a vida livre que o destino me levar. Serei algo de rio deslizando cerro abaixo, ganhando corpo, abraçando águas, beijando formas num caudal sempre maior. E a minha foz será tão grande que mal consigo imaginar. Minha alma está embedida pela alma da querência, e eu estou como nunca estive um dia: de alma livre! Sereno e madrugueiro! Embebido pela alma da existência! Minha consciência é franca e os meus sonhos desatinos. Eu sou o mar sobre as coxilhas.

Eu sigo a luz que tu impôs junto aos meus olhos.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

LAGOA DE ESTRELAS

Na solidão noturna da coxilha, dorme a lagoa
Inundada de estrelas - bailarinas celestes -
Envolta em brumas e ninada por grilos...
Recanto de vida que reluz como espelho
Os segredos que eu guardo no fundo da alma
que sei, conhece como ninguém.

Os beirais florescidos rodeados de juncos
Transportam os meus sonhos pros meus tempos de guri,
Quando nas praias rasas, com minhas linhas, esperava
A lua cheia se banhar nas suas águas,
A mesma lua que me trouxe hoje até aqui.


Quantas noites em tuas margens fiz meus planos
De fisgar traíra grande, como grande sempre fostes!
Pedaço de céu no campo, lagoa de estrelas,
Pedaço de mim também!


Traíra velha lagoa, quantas lembranças!
Em tuas ondas pequenas quantas imagens...
Por elas retorno, velha bruxa, o tempo passou,
Já não sou mais guri e tu sabes
Mas eu não sei o que devo pra ti.



Tu sempre fostes parceira - o espelho da minha alma -
E no silêncio das tuas águas em calmaria contei
Uma a uma as estrelas extraviadas do infinito.

 


Um mugido se perde ao longe no roncar dos sapos,
Saudades dela lagoa, há lamentos no ar,
De dor e de esperanças pois tu sabes
Que nos luares me extraviei dos teus caminhos;
Por ela - estrela sereia - que me encantei lagoa velha,
Das loncas fiz meus tentos e me perdi no firmamento.

E gauderiei velha parceira, e gauderiei,
Mas nunca mais a encontrei.
Hoje eu rondo o teu sono velha amiga,
E ao te rondar recuerdos então me vêm,
Eu lembro do sonho de estrelas
E daquela a quem eu sempre amei!

 (By Alex Brondani)

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Um paraíso. Assim é o lugar que me define, o local onde eu estou quando contigo. Um alambrado grande de fortes tramas e trançado arame, o corredor de uma porteira, a noite negra e a silhueta de velhas Grápias e de Anjicos. Areia de campo e praia de rio, e um cheiro ocre de orvalho e de sereno. Núvens de chuva e de aguaceiro, e em meu corpo molhado algumas gotas do azul do céu. Um pouco de grilos, o som das noites madrugueiras da querência, e mais um tanto de infinito. Um paraíso. É assim o lugar em que me encontro quando estou contigo.


Para eu ser feliz é bem menos disso o que preciso. Eu apenas redescubro os meus caminhos; E vejo neles um mundo que alí já não havia. Meus olhos marejados buscam o vasto vazio da pampa larga, e no horizonte eu  reconheço a tua fronte. O teu corpo é uma estátua de bronze e eu te venero, e te espero num eclípse de sol e mar. Não, eu não pensei que pudesse te encontrar agora, não neste caminho, não nas areias desta estrada. Mas a porteira do destino está aberta, escancarada, e eu já não quero procurar outra pousada. Eu me afundo nela sem pensar, sem avaliar o que vem agora ou o depois. A porteira da poesia está aberta para mim, e eu vou por ela me enfeitar. Tu não vens?  

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Uma luz intensa ilumina a manhã em que eu estou. Meus silêncios florescem em mim e eu sou a tua estação. Uma corda do violão rebenta, e uma dissonante se permite ouvir, mas não abafa a música. É o meu coração quem canta, que se levanta e que está alegre. Eu sou um rio fora da caixa que desliza rápido sobre as pedras. As possibilidades e probabilidades conspiram para o destino, e eu leio o meu zodíaco: nada vejo. Apenas ensejo a busca da felicidade. Uma luz amarela intenta a manhã em que eu estou. E eu lhe abro às janelas.



Caminhar sobre as águas. Eu te convido para caminhar comigo sobre as águas. Um desafio que é quase que um estio, e que exige fé. Olha os horizontes diante dos teus pés: eles são imensos e infinitos, e não estão escritos. És tu quem deves conduzir os teus pés para o abismo ou para o paraíso. No final, tudo é quase que uma questão de simples improvisos. Colha-me em teus sorrisos, silencie comigo em teus caminhos, mas não pare diante dos teus medos. Que eu te espero para além do mar intenso, na calmaria das águas que são de azul e cristalino.

Trema, mas não desista. Não temas o mar. Não abandones o verbo amar.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Uma estrada deserta. Um caminho de ir e vir. A lua no céu de estrelas é um sol que ilumina a noite, e a silhueta dos campos é soturna  e noturna. Tu vens a mim, e eu sou a própria estrada; Tu me tomas de mim, e eu me entrego ao desatino dos caminhos. Tudo é silêncio ao meu redor, e o fogo do desejo queima os meus ouvidos. Tu sussuras a mim os teus desejos, e eu ouço a música dos ventos nos teus lábios. A lua no céu de estrelas é um sol que te ilumina, na estrada deserta eu sou um rio que desemboca em tua foz. Nós somos a própria estrada.



Tu és a minha namorada nesta noite, e eu me entrego a ti; Tu és a magia que eu reencontrei na solidão deste momento, e o olhar da lua é um rubro de amor e de desejo. Nossos corpos se deitam na beira do caminho: terra e areia, chão de porcelana. Tu és uma chalana a conduzir os meus dissabores e os meus beijos, e somos um caminho infinito a percorrer. Nós somos o tudo num viver de sonhos estreleiros, e enquanto o mundo dorme nos amamos. Sem cuplas. Sem preconceitos. A estrada deserta é o nosso leito, e a silhueta dos campos um cenário de mistérios. Nós somos amantes da noite, nascidos para a inquietude dos desejos, feitos para um encontro.

Eu te completo. Tu me completa. A lua na estrada é um sol que ilumina a nossa noite...  

domingo, 5 de agosto de 2012

Eu escrevo agora com o meu coração amarrado. Amordaçado pelas palavras que tu me dissestes, e que ainda ecoam dentro de minha alma. Eu olho agora para dentro de mim, e tento separar o homem do poeta. É difícil compreender a dimensão do que eu estou sentindo, mas me é quase impossível não estar sofrendo. Eu sei que me foi dito para buscar outro caminho nestas horas, mas agora eu quero enfrentar este levante, superar a minha dor pelo desafio dos olhos. Meu coração permanece amordaçado, mas eu não irei falar do que nos aconteceu.

Eu falo para mim, sobre mim e para o meu próprio consumo. Já não me importo se vais ler o que eu digo, nem se vais entender o que eu escrevo, pois foi me dito que eu apenas escrevo bem. Porque o que ninguém vê é que para além das palavras eu sou um homem, falível como todos, limitado como muitos, passional e irracional às vezes. As palavras são punhais que ferem fundo, e eu sempre ouvi as tuas. Sempre. Até mesmo quando eu não as compreendi. É injusto dizer do contrário, usar de um colorário de palavras giratórias que voltam sempre ao mesmo lugar comum. Eu as compreendi, e foi te dito isso. As tuas razões e os teus motivos não são diferentes dos meus, mas os olhos vêem melhor o que é dos outros. Eu sempre soube disso, mas compreendo melhor agora. No entanto é chegada a hora de calar as vozes do meu coração. Ele está amarrado, amordaçado pelas palavras que tu me dissestes. E as palavras são punhais que ferem fundo, e calam, e cortam como o aço fino da lâmina inicial.

Eu escrevo agora com o meu coração amarrado. Amordaçado. Mas ele está quieto, silente e reflexivo. Eu vou calar a minha boca e exilar as minhas rimas, mas espero que você compreenda as razões do meu silêncio. Eu escrevo para mim, sobre mim e para o meu próprio consumo.  

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

"Talvez a cor da manhã envolva o teu sorriso, e o teu carinho é um bálsamo de paz para a alma conturbada do poeta...". Tu te lembras, amiga? Estes versos - um dia - foram feitos para ti. E tu fostes neles uma paixão não florescida que habitou profundo o meu coração. Distantes são os dias deste tempo, mas eu ainda sinto a força que eles trazem: o tempo de um momento que ficou no ar. Parado. Um quadro emoldurado em teu retrato. A vida é um rio que corre contra os dias, e os nossos caminhos neles se tocaram; E eu sinto em mim o gosto do beijo que eu nunca te dei, e o calor do abraço que eu nunca ousei te estender. Hoje tudo tem o sabor da nostalgia, e a inocência destes dias me faz te recordar. Tu te lembras?

Nós nunca fomos amantes, e se amigos, pouco nos falamos; Mas somos cúplices de um momento que nunca aconteceu. E isso é o que de mais belo nos valeu. E depois nós nunca mais nos vimos, mas o tempo guardou de nós a pura essência. Veja: as palavras que me salvam, agora me escorrem pelas mãos e eu não consigo coordená-las; A tua imagem me invade a mente e eu não quero renegá-la; O teu olhar adentra o meu coração e eu lhe abro as portas. Nos nunca fomos amantes e nem sequer amigos, mas somos cúmplices de um momento que nunca aconteceu. Talvez por isto esta magia. Talvez por isto esta emoção. Meu coração está feliz por perceber que tu és para mim a mesma menina de antes, e que eu sou o mesmo poeta louco e sonhador de sempre.

Tu te lembras, amiga? Eu me lembro de ti com o mesmo olhar.      

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Eu sou um pescador de estrelas. Minha alma de pontes-suelas procura a noite, e o meu pesqueiro é um remanso ao lado esquerdo da lua. Minhas linhas de mão estão lançadas, e eu me alimento da luz que se irradia dos teus olhos. Pois tu és uma estrela, e a minha alma de pontes-suelas procura a noite. No açoite da escuridão do universo eu vejo todos os versos e todos os poemas de amor, e não mais a minha dor. Eu sou um pescador de estrelas que escolheu a noite dos teus olhos, e nela eu alimento os meus instintos. Tu já não és o labirinto que eu pensei que fosses, e aos poucos eu vou me encontrando em teus carinhos. Eu vou redescobrindo os meus caminhos.



Eu sou um pescador de estrelas. A vastidão do firmamento é o meu porto. Alí eu sou um barco em movimento, levado pelos novos ventos do amor. O Cruzeiro do Sul, a estrela Vésper, a Constelação de Centauro, todas elas estão amarradas a mim e a minha alma, na linha do invisível que eu sustento. E eu espero apenas o tempo dos dias na dimensão do céu que me abriga. Eu já não tenho a dor em mim, e tu já não és o labirinto que eu pensei que fosses. E eu vou, aos poucos, redescobrindo os meus caminhos. Que eu sou um pescador de estrelas. Minha alma de pontes-suelas procura a noite, e o meu pesqueiro é um remanso no lado esquerdo da lua.

Não foi alí que tu deixou o teu olhar?     
     


     

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Eu espero este agosto com um poncho de lã. Meu afã diz que o frio será intenso, mas o calor vai aflorar. Na pampa em que eu habito tudo é verde como uma manhã gelada de inverno, e eu sou um cerne de bom anjico em alambrado. Por mim nada passa, nada escapa, e eu tenho visto e sentido muita coisa aos meus ouvidos: o canto de um sabiá, o murmúrio de um riacho, os resmungos do vento minuano. Eu sou um aragano nas estadas infinitas do meu pago, e bem à cavalo me sobram arreios para o que vier. Eu canto o inverso da mulher que vai chegar e colher as flores que eu plantei, e o homem que vai beijá-la no ventre que eu semeei. Eu sou a semente da poesia, em mim nada floresce - mas acontece -, em mim apenas um agosto gelado se principia.

É chegada a hora de se iniciar a travessia. Pois se eu não ousar fazê-la agora, quando será? O que será?  O destino que me envolve indica que se a coragem não me empurrar, talvez já seja tarde para voltar. E eu sou um aragano nas estradas infinitas do meu pago, o que trago em mim não vale nada além do que um vintém. Eu penso, e a reflexão me fez pensar que o fim é apenas um novo começo, que tudo o que se foi é parte do que fui e não do que eu serei. Eu caminho em passos largos pela ponte que me leva ao outro lado. É lá que estão meus sonhos, é lá que está tudo aquilo que eu um dia ousei deixarem se adonar: a minha vida, a minha liberdade, os mais belos versos da minha poesia.

Sim, é chegada a hora de se iniciar a travessia.