terça-feira, 28 de maio de 2013

A Poesia dos Loucos

Um verso me escapa pelas mãos. Marcador de página, ele não se encontra aqui. Despedaçou-se no universo das inspirações suicidas de onde eu bebo matinalmente. A vertente do poema é um dilema. Um enigma e uma alucinação. Mas transformar a razão em emoção é o ofício dos poetas. Lapidar a estrutura das palavras, limar os verbos soltos, mesmo os mais arrestos. Este é o ofício dos loucos.

Louco estou em radical transformação. Minha solidão é tamanha quanto a dor do verso perdido e estraçalhado. Dilacerados estamos - ele e eu - numa clara certeza de um conluio mal sucedido ou ajustado. Arrependido? Não... não é possível se arrepender no mundo das palavras. A alma do poeta é uma aquarela de incertezas, uma colcha de retalhos tecidos sempre na mesma cor.



Um verso me escapa pelas mãos. O que fazer? Como conter a sua imagem? Como demover a sua irretratável decisão? É inóspito o mundo de tecer verbos com o coração, nunca se sabe o que encontrar. Amar é o ofício que nos resta, quase um sacrifício, um suplício que procura aplausos num porão. Perder um verso é como perder uma mão, algo de vagar sem alma na escuridão.

Encontra-lo eu ainda tento pelo chão, agachado num canto escuro de uma peça embolorada, na varanda de uma mansão antiga em meio a fantasmas e retratos. Não adianta. Este verso não volta mais, perdido está. Um poema não se mostra mais do que uma vez a um poeta miserável. Mas estarei em alerta. Em prontidão, por garantia. A poesia é feita para os loucos, um orquidário construído por poucos.

Mário Quintana diria: "Ah!, a poesia..."   

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Janelas

Uma janela é uma cancela. Abre-se nela o coração, o passado, a dimensão do horizonte. Na fonte da vida uma janela é sempre uma guarida, um ponto de reflexão. Quem um dia não se achou diante de uma janela ensolarada? Olhou por ela e viu-a trazer do que passou uma experiência? Teve visões de essência ou mesmo um deja-vu? Em algum lugar de sua alma há uma janela.

Uma janela é sempre uma quimera, uma espera de algo que ainda não chegou mas que está lá, germinado, como se o futuro fosse um rio contido e acorrentado. Uma janela é um novo retrato, uma nova geração de algodoeiros. É um viver de alma, de primavera, de sonhos pulsantes em floração. Uma janela guarda tudo o que a vida ainda nos reserva.


Dizem que o coração é uma janela, que o amor é a sua cancela e que o infinito é a sua dimensão. Não, não há razão de se viver a vida por detrás de uma janela, embora ela mostre bem mais que deveria. Numa janela há bem mais que a poesia, existe a alegria e a emoção, as cores de uma infância que se perdeu na ilusão dos dias, roda-ciranda das nossas noites de verão. O sonho é uma janela que nunca se fecha.

Sempre que a vida chegar - e ela vai chegar - como um tufão de vento na soalheira, arrancando cercas e pondo tudo em rotação, sempre vai existir em algum canto de sua alma uma janela. Para que a luz possa por ela penetrar, para que um novo caminho possa para ti se iluminar.  Porque a vida é simplesmente igual a uma janela: se fecha na noite tormentosa, fenece, rebrota, para se abrir numa nova manhã iluminada.

Veja: a minha alma se esconde por detrás de uma janela...

domingo, 5 de maio de 2013

A morte do amor Aniquilado

Quando se quebra um espelho são sete anos de azar. Mas, quando o que se quebra é o coração, o que será? Padeço de uma dor imensa neste instante, de tão intensa e tão constante que minhas lágrimas são o próprio sal. Por mal ou por bem nem sempre o querer é o que importa. Às vezes é necessário matar o amor apodrecido, aniquilar a sua raiz e destruir o seu suplício.

Me ponho no lugar de uma cabeça prestes a ser guilhotinada: nada nos meus olhos, um sentimento de vazio e uma enorme sensação de estar vencido. Sob o cadafalso deste amor eu sinto a chegada do meu infortúnio. Não mais por ele insisto. Me esmero apenas em não querer sofrer, mas já não consigo permitir meu riso. Eu estou antes de Dante: entre o inferno e o paraíso.

Caminho no limbo, sobre o limo dos meus pés cruzados. Afagos e arpejos são apenas ilusões para o meu tempo, pois já não traduzem o meu olhar. Eu estou ferido na alma, morto e sufocado, sem ar. Na beira do fogo o calor queima o meu pensar, mas, perdido, eu me vejo agora derrotado. Nada mais importa. Meu coração está sangrado e repartido, o amor dividido em seus pedaços.

Eu sou o próprio amor aniquilado.

domingo, 28 de abril de 2013

Desilusão

Desmantelo a minha imagem no espelho: essência no final do caminho, numa rota de conflitos e de convergências. Tudo até o fim foi ilusório como a luz verde da névoa da manhã de outono, coberta de gelo e de neblina. Eu estou novamente diante do dilema da existência, extasiado pela essência de um amor que me faz mal mas que já me fez bem. Que quero e que não quero ao mesmo tempo.

Escrevo com o tempo em meu coração. A ilusão das coisas naturais me observa e me contempla, e eu sou uma folha seca golpeada pelo vento. Estou ferido. Em meu peito eu sinto uma dor imensa e a incisão precisa de um diapasão. Contemplo a imensidão do horizonte azul num gesto de beber o céu. Lá estão as estações, o paraíso, um arco-íris de cores vivas e infinitas.

Desmantelo a minha imagem atrás do espelho: dúvida de qual caminho a percorrer. Natural seria correr como um riacho, deslizando calmo nos beiras da existência. Mas como o sê-lo? No interior da alma humana há uma quimera que só dói quando em amor. O amor e as suas mazelas. O amor e os seus inconjugados verbos. O amor e o seu maldito ensinamento. Eu contemplo a imensidão do horizonte azul e bebo o céu no meu olhar.


quarta-feira, 24 de abril de 2013

Um Olhar para o céu Noturno

Eu penso no espaço sideral. Olho para o céu e mergulho num mar de estrelas longitudinais enquanto na televisão o jornal nacional anuncia um reality-show em marte. Viagem só de ida. Viagem de colonização. Viagem na profana busca dos humanos por uma constelação de vaidades. Mas eu olho para o céu com um ar de arqueólogo. Numa imutável rotação o universo conspira ao meu favor.

De onde viemos? Eu penso que foi de algum lugar do espaço, no rastro de algum cometa destruído ou no centro de alguma nave espacial. Eu olho para o céu noturno e busco uma explicação para as minhas ancestrais vicissitudes. Na imensitude do cosmos se esconde o meu sorriso. Improviso um verbo em corda solta enquanto o silêncio do universo gira sobre mim como um pião.

Eu me sinto como uma peça de gamão sendo movida. Um peão num jogo de xadrez que é descartável. Incansável é o meu querer, infinita a minha vontade de saber, mas insignificante o meu sentido. O que somos? Para onde vamos? Existe alguém além de nós neste universo? Por certo que sim, mas enfim, sou apenas um poeta num insondável mistério de alma e de estrelas. O meu olhar se perde no fundo deste céu noturno. Soturno é o meu sentido, infinito é este momento. Eu só sei que nada sei. E Sócrates, revivido em mim por meus anseios primitivos, me contempla com um ar de professor. 




sexta-feira, 12 de abril de 2013

A Reconstrução do Poeta

O frio do fogo me aquece. Ao redor das chamas crepitantes eu conspiro com o universo e os meus anseios primitivos agem como que por instinto. Tateio a pedra que quebra o gelo, os meus dedos são longos servos do amor e do pecado, lascivos e ágeis, abstratos. Num cenário de sombra e de estrelas eu começo esta noite. Afoito é o meu coração. A razão das horas é o fermento da poesia.

Minha alegria é completa quando vislumbro a lua. Nua, deitada num espelho de prata. Na mata o silêncio noturno é inquieto como tudo o que o cerca. Um som de água corredeira. Extasiado estou e em comunhão. Toda a emoção que me sustenta desmaia em meus loucos pensamentos. Eu choro junto do vento por uma razão que nem mesmo eu sei.


O gelo da neve me aquece. Emoldurado na paisagem eu calmamente escrevo. Cada palavra celebra um novo feito, tardio, rarefeito. No espelho da minha alma eu me revejo, me reconheço, me alimento. Eu sou um servo dos segredos do universo, um novo e reluzente verso. Disperso eu estou em sentimentos, absorto, transbordante em rimas imperfeitas e em notas dissonantes.

 Eu me entrego aos sentidos. No improviso desta noite eu me visito, me refaço, me desfaço a cada assalto. Estou como o verso de um poema inacabado, abalado, pronto para a grande apoteose. Talvez sob o efeito de overdose, talvez desvendado na emoção, talvez seguindo apenas a voz do coração. Eu estou descalço, o gelo aquece e desata os meus sapatos.

Eu estou junto ao poema: em construção...

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O Mar das Ilusões

Estou num monte de sal. O mar é um horizonte sob os meus olhos, e eu recolho o ensinamento de sua imensidão. Na razão das coisas naturais eu me recolho, me encontro, me proponho a caminhar. Estou como a navegar num rio de sonhos, absorvido por caminhos perigosos e recôncavos. Eu me alimento de sal, de ar e água. Nada mais é como foi.

Como a Nau que peregrina em sete mares eu me lanço ao oceano azul. Minha alma é o sul e o meu coração a furta cor de uma paisagem descolorida. Na vida as coisas são pueris e sem idade, e uma meia verdade é o que te guardo. Espaço do meu tempo que se foi. Razão do que eu não pude ser. Espelho do que colherei na frente. O mar é uma serpente helicoidal que me sufoca, mas eu surfo mesmo assim em suas ondas.

Estou num monte de sal. A cal não é para mim uma saída, nem mesmo uma atormentação. A inércia de meu coração congela os pés que me guiam e levam, e eu mergulho no verde tantra do oceano azul. Lá, bem no fundo, estou gelado. Imerso no fogo do amor e em seu cadafalso. Estou preso ao retrato dos dias do passado, mas desancorado. Estou levado, malogrado pela corrente do destino.

Eu estou à deriva em pleno outono.