quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A solidão da espera

Mais uma vez eu estou só. Dentro de mim eu estou só, e a minha alma mergulha no silêncio do universo. Somente tu tinha o verso que me acalma, mas onde estavas? Eu tenho-te tão perto e, ao mesmo tempo, te sinto tão distante. Eu estou só e a solidão da noite é tão vasta, arredia, calcinante. O teu riso cristalino eu escuto ao longe, alegre e feliz, construído em cima da minha total e imensa tristeza. E a presença constante da tua ausência tem a força de, aos poucos, me afastar de ti.

Mais uma vez eu estou só. Mais um motivo inexplicável para mim, embora as palavras sempre te justifiquem, te expliquem ou te contemplem. Te relevam, mas não tem o dom de apagar o que sinto, o que senti, ou o que não queria deixar acontecer. E todo o resto é consequência. Tu precisas ver que entre dois corpos há uma alma tensa que te espera, e que o amor é total cumplicidade. Cuida do teu amor , trata-o com louvor e zê-lo, carinho, desejo e compreensão. A solidão é a porta de entrada para a dor.

Mais uma noite eu fiquei só, distante de ti tempo demais. E isso só fez a noite entristecida e trouxe a sua morte anunciada. Não, eu não quero apenas o teu corpo sobre o meu na madrugada fria do desejo, eu quero o aconchego do teu seio em meus arroubos, a voz dos teus lábios em meus ouvidos, o teu silêncio junto a mim. Mas enfim, eu escuto o teu riso alegre enquanto escrevo este poema triste, pois já vai longe a madrugada e tu ainda não viestes até mim.

Eu, no entanto, te espero desde há tempos. Meus enredos e relógios se cansaram e já não marcam o tempo desta espera. Mas eu estou só. A minha alma se afoga na plenitude da escuridão da noite e se perde no breu. Até quando? Meu coração já não suporta esta quimera. Quisera eu estar distante agora, numa estrela desconhecida dos humanos no horizonte de uma outra dimensão. Lá eu seria amigo do rei e teria - como Bandeira - a mulher mais bela na cama que quisesse. Mas eu só tenho a minha cama, e não quero além de ti mais ninguém.

Somente tu tens o verso que me acalma. Mas onde estavas?

 

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Amor: carne do desejo

Ontem eu beijei o teu ventre e te amei. Ontem eu estive visitante no teu corpo, vestido de luz e de sêmen. Teus lábios luzidios foram vertígem, e tuas unhas deixaram sulcos nas minhas costas. Na forma das coisas naturais as curvas dos teus seios loucos apontados para mim. Ontem eu te amei assim, em minha cama, na geografia dos lençóis que já são teus, que guardam o teu cheiro, e que me revelam teus segredos ao toque fino dos meus dedos.

Ontem eu te toquei com mãos e dentes. Teu hálito quente sugou o meu suor, e juntos bebemos na fonte do amor. Ontem eu beijei o teu ventre, e te amei.


Ontem eu te devorei. Encontrei o meu prazer em tua boca, e gozei aos borbotões sob a tua saia. Tu eras uma escrava a me beijar, e os teus cabelos uma corda de puxar. E as palavras que me destes não eram de amor, mas depravadas. Ontem tu fostes devorada e mastigada, arrombada e conquistada pelo amor carnal que tanto enseja, na sutil singeleza que se esconde em teu olhar. Ontem eu te amei assim, sem te ofertar romances ou carinhos.

Ontem eu te amei com força e subsídios, e tuas unhas abriram sulcos nas minhas costas. Amor de derrota: pênis, ânus, boca e seios. Amor que encontrou meios mas não a inspiração.      

domingo, 9 de setembro de 2012

Canção do peregrino

É difícil dizer o que me guarda. Eu não sei o que sinto, algo entre o gosto do vinho e do vinagre, do sal e do aspargo. Tudo o que faço tem um único sentido, mas eu não sou mais compreendido. Tenho sido assim, perseguido como a um animal ferido, que só se defende dos perígos porque quer sobreviver. Para onde correr eu já não sei. A tristeza que me assalta agora é um pouco dessa mágoa que me assola, desta falta de prazer, do carinho que eu não colhi e deixei de receber.

É difícil dizer o que me cerca. Uma porta aberta e um caminho que eu não sei reconhecer, onde tudo é difícil quando já não se tem dezoito anos. Um engano para os que pensam que eu sou forte, que resisto aos ventos e aos cataventos, ou que tenho uma cartola e um coelho para todos os momentos. O meu coração está triste. A minha alma comunga da dor. Quero renascer mas não consigo, e a vida tem me deixado pouco a escolher. Compreender o futuro é o que me resta, colher a flor do amor e dar adeus aos que se vão.

Eu sou o peregrino que caminha nas montanhas verdes, sob uma trilha estreita e íngreme, à beira de um declíve vertical. Qualquer desequilíbrio será fatal. Eu aceito o horizonte e todo o inesperado do caminho. É difícil dizer o que me espera, mas o destino não me assusta mais. Eu olho o penhasco à minha frente e vejo núvens e cerração. Nele estão guardados os caminhos que me levam adiante, e a estrada onde um dia eu semeei os meus lindos sonhos de verão.

Eu sou um peregrino em mutação.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Reino interior

Meu interior. Não existe cor ali, nem matiz. Existe a infeliz resposta do querer, do viver e do não saber. Três verbos que dizem tudo e não dizem nada, e que se esfacelam. As mazelas eu curo com macela, que alguns dizem marcela, mas que sempre é o mesmo chá: amargo, amarelo, aquarelado de azedume. Meu interior é um cardume de peixes todos da mesma espécie, sardinhas prensadas numa rede, rude singeleza de óleo e lata, um universo contido em uma circunstância.

Escrevo sobre mim porque preciso. Desculpe-me o improviso, mas eu não posso controlar. Estou como àquele que contempla o mar sem ser capaz de atravessá-lo, mas que mesmo assim se atira aos contrafortes. Com sorte eu chego à Africa ainda pela manhã, mas tubarões rondam a minha enseada. Eu sempre pensei que nada seria capaz de me deter, hoje eu penso que o querer nem sempre é o suficiente. Meu interior pressente o início e o fim, mas eu sou um universo contido em uma esfera.


O dia está nublado, sem sol, e eu me pergunto: onde foi parar a minha luz? Quem me conduz agora é o turbilhão do destino, e nele eu sou apenas mais um em desatino. Eu sempre brilhei por conta própria, mas agora eu procuro a luz no fim do túnel. Somente tu, que nesta hora me questiona, é quem me orienta. Meu interior não se contenta em ter-te apenas por metade, talvez por isto esta ansiedade, talvez por isso este vazio. Eu sou um universo contido em uma estrela.

Eu sigo para onde tu me apontas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A fada dos bolos

Um bolo de cenoura, de laranja, um bolo de côco. Bolo inventado e transformado, com ares de abatumado. Bolo com açucar e sem açucar, queimado, azulado e bem passado, bolo com canela e bolinhos de chuva, fritos. A fada dos bolos não escolhe o seu cardápio. Farinha e ovos, fermento e está feito o seu trabalho. Não escolhe lados nem letreiros, constrói a sua imagem por sua simples natureza. Existe uma beleza ímpar nas suas mãos de confeiteira, mas no sorriso está um olhar maroto e sedutor.

Eu não gosto de bolos e nem dos seus recheios. Doces são azedos demais para o meu gosto. Eu os consumo na medida do prazer: nem mais, nem menos. Mas ela ama os seus confeitos, devora-os com a fome de um leão, e bebe o seu café regado por pedaços de torta de limão. A fada dos bolos é um mistério: tem um riso inconfundível, parece invisível e quando quer sabe ser notada. É uma estrada de ferro onde descansa um trem de passageiros. Muitos deles ela carrega em seus vagões.

Qual será o bolo de hoje? Cenários imprevisíveis são traçados quando ela bate a sua massa. Entre o ballet e a fumaça existe um fogo imenso que queima em seu olhar. Um fogo que se transforma num doce, num bolo escuro com cobertura de morango e chocolate. A fada dos bolos é uma mulher, mas poucos sabem. O luar esconde os seus segredos sorrateiros.

Eu quero um pedaço do seu coração.


terça-feira, 4 de setembro de 2012

Dos mistérios de um poema

Procuro uma alcunha para te dizer, mas não encontro. Procuro uma cascata para me banhar, e quase me afogo. No meio da água fria que cai dos cerros eu te vejo debaixo da floresta, de pés virados, correndo para me salvar. Penso: tu és uma Currupira, a deusa da mata e das florestas, ou a Iara das águas brasileiras. Eu sou salvo em teus braços, mas é a tua boca quem me traz à vida novamente. Eu me transformo em vertente e tu segues o teu caminho.

De onde viestes? O meu olhar procura por teu rastro e sequer encontro as tuas pegadas. Na mata eu me afundo no destino, enquanto a tarde ensolarada abafa os meus pensamentos. Eu sonho com o momento em que irei rever-te. Sou um tolo às vezes, mas quem não o é? Eu sou um homem sério, mas tu me fazes rir de mim mesmo e do meu jeito, e isso talvez seja o teu encanto. Encantado estou pelo teu canto, e se me espanto com o que me dizes é porque nunca sei o que dizer.

Não existem canais para um encontro, nem pouso ou embarcações. Nem aeroportos. Tu és o sol e eu sou a noite, tu és a lua e eu sou o eclípse, tu és um rio e eu sou uma cacimba. Nossa semente vai germinar onde encontrar terra ferída, e um dia seremos flor e fruto, amor e alegria. Eu te procuro pela mata vírgem, e em cada reboleira eu encontro uma vertígem. Somente quando encontro a minha paz eu te reencontro. E tu me recebes de braços sorridentes e abertos. Dos interiores de mim eu te percebo. Nos meus interiores tu me habitas.

Seja bem vinda ao mundo, minha musa. Obscura e bela, misteriosa poesia.
 

domingo, 2 de setembro de 2012

A sereia do lago

Sapato agulha. Vermelho. Era isso o que a sereia do lago vestia. Um sapato agulha vermelho, com fecho-ecler. Nada de rabo de sereia ou corpo de peixe, essas coisas sobrenaturais. Quer dizer: nada de tradicional no sobrenatural. Uma sereia que habita um lago não pode-se dizer que não seja algo de sobrenatural. Do fundo da noite ela saiu, molhada, vinda do espelho das águas tranquilas do lago enluarado. Um bosque de salsos o margeava, e ela por ele caminhava. Eu não lhe disse nada, eu não lhe disse sim. Seus olhos cor de carmin me seduziram pelo olhar.

Um canto doce em meus ouvidos eu ouvi. Na estrada de chão por onde eu andava a poeira era a marca dos meus passos. Foi quando ela do bosque emergiu e o meu caminho se apagou. O seu corpo era fatal, o seu olhar maroto e sedutor, e a sua boca era um favo de mel que transbordava. Bolero preto, calcinha cor de vinho, e um perfume que lembrava os sabores e os aromas de café. E um sapato agulha. Vermelho. Sob o luar os seus seios eram pequenos cômoros de areia. Ela era uma mulher em um corpo de mulher, mas sereia.

E foi assim: um encontro de amor. Amei o seu corpo como a um outono iluminado, num encontro inacabado de carícias e lençóis. Dois sóis que, juntos, iluminaram a noite. Assombrosas frontes em busca de saciar carícias e desejos. Eu viajeiro, ela sereia. Do lago enluarado uma densa neblina veio nos saudar. Eu era um caminheiro. Ela era uma mulher em corpo de mulher, e sereia.

Um sonho, tu me dirás. Mas de onde veio este sapato agulha que se encontra agora em minhas mãos?